Eis-me finalmente! Sentado neste canto vazio, fumando. Não me ocorre nada para fazer. Nem quero. Lá fora é tudo diferente. Tenho tudo para fazer. E ai de mim que não faça! Só quero que este momento dure, dure, dure muito para além do cigarro. Que se fixe e o mundo pare.
Vejo o fumo a esvoaçar lenta, tranquilamente, como se tivesse o dia ganho. Lá vai ele sem missão, a voar para longe daqui. E desaparecer. Sou eu que o deixo ir. Ou não deixo. Eu controlo. Eu escrevo no ar o que me apetece. Leva com ele pedaços de mim, do que eu sou, para alguém, para ninguém.
Por vezes encho a boca e não o deixo sair. Fica comigo e entranha-se. Quando encho a boca é para que fique lá. E depois sinto-o a mexer, a estrebuchar, porque quer sair. Mas eu não deixo. Mas ele debate-se, debate-se e intoxica. Por vezes escapa-se, agarrando-se à liberdade com todas as forças, diluindo-se logo de seguida no ar, desaparecendo sem deixar rasto, de vez, acabando. O que lá fica esvoaça em pânico. Quer sair à bruta, chocando em todos os cantos, louco. Sinto-o num crescendo de força, revigorado. Mal abro a boca sai em bando, repentina, densa, desesperadamente, em fuga. Deixo-o ir. Por agora. Sou assim. E vou buscar mais. E mais. E mais. Até que o cigarro se acaba. E a minha liberdade também. Ter uma boca cheia de pássaros não é a mesma coisa que ser um pássaro. Agora vou eu para a boca de alguém.
Joel Cunha