3.12.18

Ice-candy - Fireflydaily.jpg

Foto: Ice-candy - Fireflydaily

 

“Ognuno sta solo sul cuor della terra

trafitto da un raggio di sole;

ed è subito sera.”

(Todos estamos sós no coração da terra

trespassado por um raio de sol;

e de repente anoitece.)

Salvatore Quasimodo

 

Compaixão pelos oprimidos e vulneráveis pode ser vista por vários ângulos: eu não sei como algumas pessoas se amam a si próprias, mas se forem sadomasoquistas, se calhar, passo à frente.

Durante a recessão económica, a situação de vulnerabilidade de países, famílias e empresas vestia palavras como PIGS, culpabilização das vítimas e da necessidade de empoderar e empreender. Nota-se mesmo que a língua portuguesa tem dificuldades com “empoderar”, tão feia que é a palavra, postiça.

Atualmente, quando penso nesses tempos recentes, cheira-me a cinzas, de ressentimento, de rejeição e de não pertença, falta de confiança e do muito que se perdeu. Da diferença entre os que ficaram, os que partiram e com o que podemos contar agora, olhando pela nossa janela. Erosão de valores, de vidas e de esperança. Ouvimos falar que as sociedades são líquidas e voláteis, do momento. Espero que daquelas que pondo no congelador com um pauzinho, dê para comer como gelado. Gosto muito.

Nussbaum escreveu sobre a inteligência da compaixão. Ela refere os três tipos de julgamento emocional que afetam o nosso modo de pensar perante uma situação de apelo à solidariedade. Refere o julgamento pela dimensão da tragédia, sinto-me mais solidária se a injustiça do outro é séria e não algo trivial; o julgamento por não merecer, ou seja, a pessoa não teve controlo em nada da injustiça em que se encontra; e o tipo de julgamento eudemónico (que vem do grego e significa “o estado de ser habitado por um bom daemon, um bom génio”, traduzido como felicidade ou bem-estar). Neste tipo de julgamento eudemónico, a pessoa a quem se destina o ato de solidariedade é parte integrante do meu esquema de objetivos, projetos e valores pessoais, um fim último pelo qual o Bem existe.

Este último é relevante pois, segundo a autora, vamos estar mais inclinados a ver o outro mais parecido connosco e só nos interessarmos mais por essa razão, pela probabilidade de algo similar nos acontecer.

Quando estamos mais em baixo, cuidar de nós passa por estarmos próximos de pessoas que são como casa para nós e, na ausência delas, sentir o bater do coração e respirar, como se estivéssemos mais próximos do verdadeiro coração do mundo.

Em 20 de Dezembro, a solidariedade tem a sua celebração internacional. Esta preconiza, muitas vezes, a intervenção em situações de urgência e de preservação da paz social.

Por mim, atendendo à lógica de poder subjacente à narrativa da solidariedade, pensando em duas pessoas em diferentes posições de existir num dado contexto, penso que seria interessante um contacto de proximidade e de respeitar o outro na liberdade da sua decisão, como autor da sua própria vida. O contacto com o diferente traz sempre novidade e isso permite evoluir, como indivíduos e como grupo.

 

Referências:

Nussbaum, M. C. (2001). Upheavals of thought: The intelligence of emotions. Cambridge: Cambridge University Press

 

Maria João Enes

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 07:30  Comentar

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