Foto: Man – Olichel Adamovich
Às vezes a realidade encaminha-nos por travessias planas sem que possamos adivinhar as curvas sinuosas que se seguem. E ele certamente não previu as suas. Por isso, ali estava. Questionando-se sobre as causas e os porquês, os indícios e os “quando”, as consequências e os “como”. E nesse tempo dedicado ao pensamento, cogitou sobre o pouco tempo que tinha, um tempo que não podia ser passado a pensar. Por uma vez, na sua existência precisava de transpor o seu eu para a ação e pôr o seu espírito em movimento.
Vivera encerrado na sua mente turbulenta durante anos, sem nunca deixar de ser controlado pela depreciativa racionalidade que guiava todos os seus passos, sem se expor à natural impulsividade que deveria conferir cor aos seus dias. Assim, libertou-se das amarras e foi em busca dos seus mais íntimos desejos.
Mas já não restava mais nada. Nem ninguém. Todos os caminhos que partiam de si se enchiam de vazio; todos aqueles de quem gostava tinham partido e tudo o que sempre sonhara fazer, já não era possível.
Uma vez mais, ali estava, sozinho. Perdera tudo. As chances, os momentos, os dias, as pessoas, as alegrias, a partilha, a coragem, a loucura, a adrenalina, e sobretudo a felicidade. E não havia mais nada que pudesse fazer.
Quando os grãos de areia se reuniram na parte inferior da ampulheta da vida, olhou para trás e viu todo um caminho de desastres e feridos, um caos completo sem realização alguma. Então, pela primeira vez, agiu efetivamente de impulso, acabando com tudo aquilo…
… Até acordar subitamente.
Estava aterrorizado com a ideia de que pudesse fazer algo assim, de que a sua vida se tivesse resumido a um desespero, de que tivesse chegado àquele ponto.
Tinha sido um pesadelo. Um pesadelo real, concreto. Sabia que sim. Mas na ampulheta da sua vida os grãos ainda corriam, e afinal, ainda tinha tempo para agarrar a felicidade.
Sara Silva