Foto: Girl – Claudio Scott
Numa luta contra o tempo acelero ao máximo tentando chegar mais depressa do que o relógio ameaça. Previsivelmente, todos os lugares de estacionamento mais próximos estão ocupados e, claro, lá tenho que voltar a estacionar numa curva de interseção entre duas ruas – sempre a desafiar o código da estrada (ousadias que já me valeram umas multazitas, um reboque e tal).
Num passo saltitante sobre o tacão alto (que jeito me faziam agora as sapatilhas!), que é um misto de elegante com desesperada, lá chego à empresa: 09h02! Vá, que até não foi mau! Não consigo perceber porque é que ando a levantar-me cada vez mais cedo e continuo a chegar atrasada!! Quer dizer, perceber, até percebo. Aquela miúda… Porque quer mais um abraço, e porque quer um bocadinho de colo, e porque deixo ficar-me a saborear umas beijocas tão boas, e porque ela tem sempre tanto para me dizer enquanto toma o pequeno-almoço… Amanhã vou pô-la em sentido!
Inicio no habitual e delicioso ritmo frenético da rotina laboral e, de repente, quando estou a ler um e-mail daquele Cliente que muda de ideias como quem muda de camisa, pouso o queixo sobre a mão e… Horror! Estou a senti-lo! Enorme, grosso e – imagino – mais negro que o tom de preto mais preto, um pelo no queixo!!!! Começo imediatamente numa demanda por toda a área queixal a identificar outros invasores pilosos e… sim, parece-me que, mais um, NÃÃÃOOOO!!
Mas como é que eu nunca me apercebo disto em casa?! É claro que não me apercebo porque em casa eu paro lá a pousar o queixo sobre a mão! Em casa as mãos andam sempre cheias de roupa ou alimentos, ou filhos, ou…
“Bem, esquece isto que agora tens que trabalhar.” Mas estar a trabalhar temendo que, a qualquer momento, alguém me encare e veja que estou a tentar competir com a barba do patrão… Discretamente, disponho o polegar e o indicador em forma de pinça e enceto tentativas enraivecidas para tentar arrancar um dos usurpadores… em vão!!
O dia lá passa e, horas depois de chegar a casa, munida de pinça e espelho encarrapito-me sobre o candeeiro da mesinha de cabeceira. O cenário é ainda pior do que eu imaginara: o meu queixo está a ser conquistado e eu quase pareço a minha avó octogenária – mas ela tem uma boa desculpa!
Enquanto arranco minuciosamente estes espetos negros do rosto, não consigo evitar um suspiro de angústia. Andar minimamente arranjada, ter a casa minimamente organizada, ter sempre ideias minimamente saudáveis para as refeições diárias (e tempo para as concretizar!), dar alguma atenção aos filhotes e ao marido, atualizar-me sobre a minha profissão para levar ideias frescas e boas para o trabalho… Como é que faço tudo isto em 24 horas (e abdicar de dormir as minhas 7 horitas diárias não é uma possibilidade)?
Termino a tarefa e dou uma espreitadela rápida às sobrancelhas que também estão a precisar de um arranjo; mas ainda se aguentam mais uns dias.
Tenho que ir surfar na minha tábua de passar a ferro porque a miúda amanhã tem um passeio e tem que levar o uniforme. E ainda tenho que magicar o que lhe vou preparar para o almoço partilhado...
Sandrapep