A tempo: Escrevo este texto num momento muito
particular (mais um!). Todos, particularmente os que
vivemos no mundo ocidental ou que perfilhamos os
seus valores, cultura e modo de vida, estamos em
estado de choque, pelos ataques bárbaros ocorrido
em Paris, França a 13 de novembro de 2015.
Amo e não encontro quem me ame.
Sou pobre e vivo no meio da riqueza.
Não tenho acesso ao sistema educativo, ou recuso-o, nem a trabalho, mas é-me mais ou menos fácil, mesmo que iletrado e pobre, ver possibilitado o acesso e a posse de armas mais ou menos sofisticadas e outro material de uso militar.
Sem motivos evidentes, por qualquer motivo ou por um conjunto de motivos, torno-me num radicalista.
Poderei isolar-me e criar uma cápsula que me isola da sociedade.
Poderei, no meu estado de fragilidade, apercebido ou não, ir ao encontro de um qualquer movimento fundamentalista mais ativo, algo de sedutor, de redutor, que me permite e promete tornar-me numa parte influente contra o que me oprime. Sou presa fácil para ser seduzido a tentar ações imediatas, violentas até ao ponto de admitir matar indiscriminadamente. Até ao ponto de isso implicar a minha própria morte. Como uma redenção.
Medo. Trevas. Barbárie.
Sou, talvez, ainda mais pobre, muito mais pobre.
Vivo bem longe das sociedades desenvolvidas e ricas. Conheço-as, contraditoriamente, elas acenam-me cada vez com mais proximidade, através da globalização que o mundo digital permite.
Sempre foi assim, sempre houve pobreza extrema ou ela instalou-se pela guerra.
Aqui, pelo contrário, em vez de mudar de campo e violentamente lutar contra os ricos e cosmopolitas, sinto-me atraído por aquela sociedade. Torna-se a única esperança e a solução para o meu futuro.
Custe o que custar, quero ir para uma Europa rica, iluminada e segura.
Quem sabe deste meu transe, aproveita-se, organiza redes clandestinas e mostra-me que me pode fazer chegar à terra prometida. Para isso suga-me todos os meus poucos recursos. O que tenho e que não tenho.
Criam-se hordas de milhares, milhões de pessoas, só os mais jovens ou famílias inteiras que acometem, sobressaltam as fronteiras da Europa. Esta, velha e a tornar-se decrépita, tem medo. Pavor. Torna-se irracional.
Tudo acontece ao mesmo tempo. Quase ninguém tem a capacidade para compreender, processar toda esta informação e estas situações novas.
Medo. Ignorância. Pavor. Trevas.
Como é que com tanta luz, como é que neste mundo digital e da informação, a ameaça das trevas estabelecerem o seu império é cada vez maior?
Jorge Saraiva