A delinquência surge geralmente da necessidade de se encontrar na rua o que em casa falta: por vezes é pão, por vezes é afeto, por vezes é justiça, por vezes é opção própria, por vezes é tudo isto junto. Para se fazer um delinquente são necessários ingredientes simples e um modo fácil de os misturar: ambiente familiar errante, situação económica magra, gorda dose de incongruências na educação e maus exemplos por parte dos modelos parentais. As causas da delinquência são plurais e não se esgotam nestas. Compreendê-las é importante mas não atenua nem soluciona o problema.
O verdadeiro combate à delinquência, partindo do princípio de que aqui estamos todos de acordo quanto à sua definição mais geral, não é fácil nem simples. Trata-se de um exercício que pretende interromper a espiral viciada de que se alimenta o delinquente, espiral essa que, com o tempo, passa a fazer parte e a definir a sua própria identidade. É óbvio que uma boa prevenção seria a melhor solução, mas numa sociedade real a prevenção acontece, não raras vezes, tarde.
Uma intervenção remediativa deve, na minha perspetiva, iniciar-se aos primeiros sinais de que algo não vai bem. Enquanto se aguarda por dados mais concretos vai-se dando oportunidade à consolidação do problema. A distinção entre um arrufo isolado e um ato inserido num contexto de desobediência mais vasto não é assim tão difícil. As educadoras sabem-no bem.
Na adolescência, a partir dos 12, 13 anos, a intervenção deve ser musculada, verdadeiramente multidisciplinar e multicontextual. Musculada porque o assunto é sério e exige firmeza, multidisciplinar porque deve envolver diversos agentes (educativos e clínicos) e multicontextual porque a reabilitação de um delinquente juvenil não ocorre (ou ocorre muito dificilmente) se ele puder vestir uma pele diferente nos diferentes contextos em que circula.
Cada caso é um caso e a fórmula que serve a uns não tem necessariamente que servir a outros. No entanto há procedimentos que têm vindo a ser negligenciados, nomeadamente na escola (provavelmente por colidirem com outros preceitos tidos como mais importantes), que poderiam devolver às salas de aula a tranquilidade de outrora e que permitiriam ao professor utilizar mais o seu tempo a lecionar e menos a "apagar fogos". Um desses procedimentos, talvez um dos mais importantes, é a revisão da prática disciplinar. Enquanto as questões de disciplina minarem o ambiente escolar, pouca disponibilidade sobra para que os professores ultrapassem o seu papel e ensinem também para além da lição. Fora do contexto escolar, uma boa parte da delinquência surge da falta de projetos desenhados para envolver e ocupar os adolescentes. Um investimento sério, a nível nacional, em atividades interessantes e criativas, que direcionassem a energia dos adolescentes para causas úteis e nobres (como por exemplo o voluntariado), não só preveniria o surgimento de comportamentos desviantes como combateria boa parte da delinquência instalada.
Este é um problema complexo, multifacetado e sem solução à vista. Tem raízes na organização urbana, social e económica, é certo, mas a maior parte do seu peso advém da qualidade da formação, do civismo e do respeito. A subtração da liberdade, se por um lado tem servido a dupla função de castigar/reabilitar o delinquente adulto e de proteger as eventuais vítimas, tem, por outro, afirmado o redondo fracasso de todos os mecanismos de prevenção e de contenção dos comportamentos marginais que lhe estão a montante. Um povo mede-se muito mais pelos valores que defende do que pelas medidas de combate que se obriga a criar.
Joel Cunha