11.5.15

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Foto: SaidChild-GeorgeHodan

 

A felicidade é uma herança pesada. Tal como as amarguras e os infortúnios do passado. Para o bem e para o mal, não é fácil desvincularmo-nos daquilo que fomos, não é fácil despir a roupagem das vivências que carregamos dentro de nós, e ainda mais complicado se torna, quando percebemos que só dissolvendo (não é apagando!) o passado, é que podemos viver o presente e aguardar sem ansiedade o futuro.

A maior ironia é que a minha vida é o meu maior exemplo de que nada é como esperamos, de que em cinco segundos a casa vai abaixo… mas nem isso me fez viver o agora sem expetativas. O Carpe Diem, de que eu era fiel devota, tornou-se uma ironia, e durante longo tempo vivi no limbo, completamente suspensa entre o passado quase idílico e o pânico do futuro, sem perceber que a vida não para e se constrói todos os dias. A vida acontece no agora e eu recusava-me a aceitar esta evidência.

Chegar a essa conclusão não foi fácil nem rápido, mas senti na pele que viver alheada fez-me passar ao lado de alguns anos de uma pequena vida, que resgato no agora, a cada segundo, em que tento ser sempre mais e melhor Mãe. Fez-me quase perder-te, a ti, que entretanto chegaste e eu por tanto te querer no meu futuro, não soube como dar-te um agora. Deixei-te no umbral sem saber se te dizer adeus, ou convidar a entrar. Até que o amor me fez perceber que, por agora, pintar a três mãos as paredes desta minha casa em (re)construção, me parece um excelente AGORA.

Decidir que a vida não me vai enterrar mais na minha deambulação estéril pelos seus caminhos inóspitos e crus, em busca de explicações, não foi simples, mas perceber que ainda há muito caminho para caminhar, e saber que posso decidir qual o calçado para percorrer esse chão, assemelha-se a uma pequena catarse. E é por aí que tenho seguido, tentando libertar-me a cada passo da ansiedade do que ainda está para vir, e cultivando a máxima de que as expetativas são ervas daninhas.

Mas não se iludam vocês também, caros amigos: viver o agora é também sermos guerreiros, e dos bons! Viver no agora é enfrentar o lado adverso da vida, é o exercício contínuo de não criar expetativas, mas sim acalentar desejos, é ter que conviver com pessoas tóxicas, é não saber como é que se vai chegar ao final do mês sem um tostão na carteira, é enfrentar a insegurança do nosso emprego e da situação frágil deste nosso país. Viver no agora é ter noção que a qualquer altura podemos perder os nossos entes mais queridos, ou pior, é vê-los a cada dia esvaírem-se numa qualquer doença crónica ou degenerativa, sem os podermos agarrar. Viver no agora é viver na saudade dos amigos e familiares que vivem longe de nós, e são tantas, mas tantas outras coisas difíceis… Sim, o agora é cinzento e há dias em que não se consegue vislumbrar para além da névoa.

Desta forma, não nos resta muito mais se não aceitar que nem tudo está ao nosso alcance para mudar, e potenciar a nossa capacidade de colorir o Agora, da melhor maneira que conseguirmos, para nos permitirmos fruir o melhor que temos no presente: a cumplicidade e o amor inabalável da família, aquela mesa cheia de amigos que nos faz sentir que vão estar sempre lá, o sorriso ímpar dos nossos filhos e as suas frases e fases mais castiças, que guardaremos para sempre, o estar simplesmente de mão dada com quem nos faz sentir que o amor ainda é mágico, não importa onde, a contemplação daquela paisagem de cortar a respiração, e fechar os olhos para imprimir para sempre aquela imagem dentro de nós…

Isto para dizer-vos que demorei, quase que fiquei pelo caminho, sentada na beira da estrada, com muita pena de mim e arrasada por sentir que nunca mais ia ser feliz, mas tive que me permitir dar um passo em frente, e o tal Agora, por muito cinzento que também seja, é agora a minha meta, e bastante difícil, sobretudo para quem sofre de ansiedade patológica. Não é fácil, simplesmente, ter esperança, serenidade e esperar que tudo corra pelo melhor, mas tal como há uns anos escrevi a um amigo, sem perceber que esta frase se aplicava tão bem a mim - “O presente é o presente que a vida te confia nos braços”.

 

Ana Martins

 

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