Abre lentamente os olhos. Há demasiada luz.
- Onde estou? – Pensou; - Morri? – Suspirou.
- Olá, como se sente? – Pergunta calmamente a enfermeira.
- Não morri? – Responde.
- Não, não morreu, mas quase. – Retalia a enfermeira.
Ana sente vontade de vomitar, começa a ficar agitada e sente cólera a invadi-la. Quer gritar, mas nem o grito de raiva consegue expulsar. O ar falta. Os enfermeiros acodem.
Trimmmm…
- Ah, estou? – Atende uma voz estremunhada.
- Boa noite. Estou a falar com a senhora Patrícia? – Pergunta uma voz estranha.
- Sim, é ela. Quem deseja saber? – Pergunta.
- Senhora Patrícia, ligamos do hospital. A sua filha Ana está cá internada. Pedimos que venha o mais rapidamente possível.
Num salto senta-se na cama.
- O quê? A minha filha?! Que aconteceu? – Pergunta com o coração sobressaltado.
- A sua filha está estável, mas pedimos que compareça por favor.
A meio da noite duas personagens lançam-se numa corrida louca para o hospital. Não há vermelhos que os impeçam. Os corações batem demasiado rápido para abrandarem num semáforo.
- A minha filha está aqui internada. Quero vê-la. – Atira Patrícia.
- Nome? – Remata alguém com impaciência.
- Ana – desespera a mãe.
- Aguarde um momento, por favor.
- Aguardar?! O que se passa com a nossa filha? - Pergunta um olhar assustado.
- Um médico já os vem atender.
Os olhos extravasam lágrimas. Patrícia sente-se ansiosa, angustiada, nervosa. A sua filha, a sua única filha.
- São os pais da Ana? – Pergunta o médico.
- Sim. Responde o pai, com a mãe nos braços.
- A vossa filha está agora estável.
- O que aconteceu, doutor? – Pergunta a mãe.
- A sua filha tentou suicidar-se com comprimidos.
- O quê?! Sui…suicidar-se? A Ana?! Não é possível – diz o pai
- A minha Ana? Porque faria uma coisa dessas? – Continua, aterrado.
Patrícia não reage. O seu mundo desaba. Há um grito que se espalha e a quebra por dentro.
- Como foi capaz? – Diz por fim.
Há confusão, alheamento e uma súbita mágoa naquelas duas personagens.
Ana, já não tem lágrimas. Continua desolada pela sua sobrevivência.
A raiva persegue-a.
- Quero morrer!!! Porque não me deixaram morrer?! – Grita angustiada.
- Os seus pais estão aqui Ana. Para a ver – diz a enfermeira.
Ana pára. O seu corpo gela. Os seus pais, aqueles que lhe deram vida estavam ali. E ela só queria morrer. O coração está em espera. Não bate. Sofre e tem medo. Medo do confronto com os seus progenitores. Ela não queria fazê-los sofrer. Só queria partir. De vez.
- Ana, como pudeste? – Pensou a mãe enquanto a olhava nos olhos.
- Filha – diz em vez.
Ana desata a chorar. Esconde os olhos, como quem esconde a culpa.
O pai abraça a filha e promete estar sempre lá, dizendo que ela não está sozinha. Ana sente ainda mais culpa.
A mãe fixa a filha. Sente culpa também. E raiva. Como pôde aquilo acontecer.
- Filha, que fizemos nós? Onde falhamos? – Pergunta desesperada a mãe.
- Patrícia, agora não. – Responde o pai.
- Vai tudo correr bem, filha. – O pai abraça de novo a filha. - Vamos conseguir ultrapassar isto.
O quarto permanece cheio de dor, culpa, remorsos, tristeza, vergonha, medo, raiva. Todos estão partidos à sua maneira. No meio de tanta dor, permanece no entanto o amor. Está ali, mesmo que nem todos o consigam olhar nos olhos.
Cecília Pinto