14.11.11

 

A morte. Sempre a morte.

Estava ali. Havia algum tempo que estava ali. Naquele lugar onde uns se escondem e outros receiam entrar. Estava ali, na dor. Estava ali há algum tempo, nem muito, nem pouco, que o tempo nunca tem essa qualidade. Estava só ali. Imóvel. Uma mão presa à vida, que por muito que negasse estava mesmo ao lado, em todo o lado. Outra mão presa à morte, que não aceitava, teimando por isso em não largar. E a sua alma... A sua alma vagueava algures entre aquelas duas paragens, nunca se dando a nenhum dos lados com algo mais do que um tímido acenar por detrás de uma cortina translúcida, mas fechada. E aquela casa afinal era deles. Tinham lá estado, ainda estavam, voltariam a estar, uma qualquer destas ideias era tudo o que lhe bastava para continuar. Imóvel.

E a memória do jardim, do jardineiro. Havia feito um pacto com ele. Sem palavras. Se o jardineiro não soubesse já quem roubava as rosas do jardim, ficou a saber no dia em que inesperadamente dele se aproximou, oferecendo os seus préstimos para ajudar a cuidar daqueles seres plantados. E assim foi roubando rosas ao jardim, sempre que o amor lho segredava ao ouvido.

Sinais da vida. Sempre sinais da vida. Desta vez era o jardineiro que lhe tocava à porta. Não quis atender, preferiu manter-se no crucifixo. Só de lá subiu para a rua passadas umas horas, em anonimato.

Nessa altura ao sair de casa, reparou que já não estavam no mesmo sítio os pés de roseira, há uns dias partidos, pela forte tempestade que por lá passara. A terra de onde nasciam estava agora arada, mexida, virgem de novo. O que restava do velho roseiral pronto para seguir a sua viagem. Parou os seus olhos ali algum tempo. Sempre o tempo, sempre algum tempo. Mas de súbito, sem comandar ou entender, fizeram seus olhos uma quadratura, do chão onde há muito estavam, para a frente onde agora pousavam. Pousavam em camélias, cinquenta, cem, talvez mais de duzentos botões de camélia. Teriam estado sempre ali? Seguramente que não, ou talvez não se recorde, ou talvez apenas se recorde dos pés de roseira. Poemas à espera da escuta que os leve à escrita. Escutou fundo e voltou para casa, em jeito de quem não enjeita rematar o poema das camélias. Juntou as roupas que ficaram, uma manta que algumas vezes os destapara aos dois, uma foto escondida algures no mofo de uma gaveta e uma escova de uns dentes, que tinham sido lindos, mas já não podia saber se eram. Juntou ainda as cartas. As que tinha recebido e guardado, as que escreveu e nunca tinha enviado. Fez um embrulho com tudo, o que ocupava pouco mais do que uma saca plástica, do tamanho de uma prisão. Colocou tudo na carruagem de primeira classe, ao lado daquela onde viajavam as rosas. A morte. Sempre e só a nossa morte.

De volta a casa, sentiu pela primeira vez as gotas de água que a tempestade deixara aos botões de camélia. Encostou-lhes os lábios, há muito cansados de estarem secos.

De volta. De volta à Vida.

 

Vladimiro Fernandes (articulista convidado)

 

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7.11.11

 

“De volta à vida”.

Não me ocorre dizer muito a propósito. Não tenho experiências pessoais suficientemente interessantes para contar. Nunca voltei, porque nunca fui. Tenho-me mantido por aqui.

Podia falar do caso do meu pai, que depois de um enfarte do miocárdio, teve de ser ressuscitado com choques elétricos. Não sei quanto tempo esteve “ausente”, ou “morto”, já agora. Ele próprio nada tem para contar. Não se recorda de ter visto nenhuma luz branca, nem de ter tido nenhuma outra experiência transcendente com que nos pudesse surpreender. Não se lembra de nada.

E voltou exatamente o mesmo. Logo que pôde levantar-se da cama, tentou convencer uma enfermeira a dar-lhe um cigarro, às escondidas do médico.

O seu renascimento para a vida, nada trouxe de novo. Não lhe abriu o espírito e ele não se questionou sobre o sentido ou o valor da vida. Pensou apenas que se tinha “safado”, a custo, e que dali para a frente, tinha de ser mais cuidadoso.

Mas ele era ele, antes e depois, e como seria de esperar, não foi cuidadoso o suficiente e passados alguns anos, teve que ser submetido a uma cirurgia coronária, com triplo bypass. Dessa vez, pensou ter esgotado as oportunidades que a vida lhe oferecera e tentou, com relativa convicção, mudar de vida, achando que tinha renascido mais uma vez.

“De volta à vida”, terá pensado ele e nós.

 

O tempo passou, a vida foi de novo sendo tomada como algo garantido e seguro e ele voltou a ser quem sempre foi, vivendo o seu dia-a-dia, sorvendo o momento em cada passa de cigarro.

De vez em quando, se lhe perguntarem, talvez fale sobre a sua passagem pelo hospital de Coimbra, sobre o médico que o operou e concluirá mais uma vez, que a sorte lhe sorriu, sem saber de facto porquê. Logo a seguir, o mais provável, é que se lembre de alguma história mais exótica vivida na Índia, onde fez a tropa e rapidamente se esqueça de ter sido operado de peito aberto, onde lhe pararam o coração e o mantiveram a uma temperatura não aceitável para gente viva, durante horas.

 

Das duas vezes em que a sua vida foi interrompida, ele acabou por retomá-la da forma mais natural que sabia e todas as suas ações foram no sentido de uma continuidade relativa.

Renascer… dá afinal trabalho e exige demasiado.

 

Não há grandes ilações a tirar sobre este caso, mas ocorre-me dizer que podemos “morrer” várias vezes durante a nossa existência e voltar todas as vezes, com renovada energia, como se fôssemos viver algo novo e tudo passasse a ser diferente dali para frente, mas na verdade nós somos o que somos e vamos manter-nos assim, atravessando todas as interrupções da vida.

 

Teresa Moura (articulista convidada)

 

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3.11.11

 

Passou muito tempo a cuidá-la. Desde aquele dia em que olhou a mãe nos olhos e a soube doente. Todo o seu ser envolveu-se em angústia. Mas não a sua face, de ser tão forte que era. Abraçou-a. Toda a sua infância atravessou-se-lhe aos olhos. Fora tão feliz. E era-o. Graças tanto àquela mãe. Aquela querida mãe.

 

Quando soube, tinha acabado de tirar fotografias ao céu azul. Estava um pouco zangada com os problemas da vida quotidiana. Quando senti a sua voz, o azul tornou-se vivo. Serena tem essa capacidade. Incrível! Parecia como sempre, serena. Reclamei com a vida. Percebi que algo estava diferente. Foi quando a Serena me contou. O céu tornou-se escuro de repente.

 

Serena, era também mãe. Tinha um pequeno ser nos seus braços, e chorava por dentro ao pensar o que seria deixá-lo. Agradeceu à mãe, naquele momento, todo o seu amor e dedicação. Afinal, não era só uma mãe. Era uma confidente, uma amiga, o seu apoio.

Serena, como mulher determinada que era, decidiu que iria apoiar a mãe a ultrapassar aquela dor intensa, aquele medo, que a doença trazia. Por mais que doesse. E cuidou. Todos os dias. Permaneceu entre a esperança e a tristeza. Permaneceu em todas as pequenas coisas da vida. A mãe de Serena era também uma guerreira nata, e por isso, ajudou também Serena nesta caminhada. Porém, Serena, a pouco e pouco, deixou o seu vibrante riso. Sorria apenas. E eu tinha tantas saudades da Serena.

 

Observei-a do longe, que a distância física permite. Via a apagar-se. Via refugiar-se no lar. Com a mãe. Com o filho. Com a família. Compreendi-a, sem nunca conseguir imaginar o que sentia Serena. Porque ao tentar imaginar, a angústia tornava-se insuportável, dolorosa. Serena chorou sempre num refúgio. Todo o seu ser passou a centrar-se na mãe. Felizmente, o pequeno rebento, graças à sua inocência tão abençoada, lançava rasgos nas bocas de todos. Risos. Aquela pequena bênção permitia vida, num ser que definhava aos poucos.

 

Um dia tornou-se óbvio. Estava para breve a despedida. Às vezes tornava-se tão surreal. Para a Serena tornara-se um modo de vida.

O dia chegou. A mãe pediu com os seus olhos a presença de Serena e seus familiares. Todos a olharam com dor, gratidão, amor, carinho, medo, saudade. A mãe apenas sorriu, e partiu. Partiu como um anjo, e como anjo da guarda ficou, daquela querida família.

 

Vi Serena. Estava ausente. Tinha vontade de chorar, mas não podia. Ela mantinha-se inteira, embora quebrada. Foi tão difícil! Conseguem imaginar?! Eu não! Parte da minha Serena morrera com a mãe. Demorou a voltar a soltar uma gargalhada. Teve de se reorganizar. Pelo seu filho também. Queria ser a mãe que tivera. A ausência era demasiado dolorosa. Mas Serena tinha de voltar à vida. Mas, como?

A Vida mostrou-lhe outra face. Nunca mais será a mesma. Já possui o seu riso, as gargalhadas, mas Serena, continua a sofrer muito. Será sempre a Serena, mas há uma parte de Serena que partiu.

Ainda hoje, Serena, procura voltar à vida, a cada dia.

 

(Para a minha querida amiga “Serena”, num dia tão especial, o dia da sua existência – 19 de outubro)

 

Cecília Pinto

 

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27.10.11

 

Era mais uma das visitas que fazia por altura do Natal, como tantas outras. Sofia, encontrou o seu padrinho combalido mas sorridente, aconchegado no sofá e no calor do cobertor. A sua cabeça careca, que refletia o brilho das luzes natalícias, era estranha. Sim, é verdade que a idade já era avançada e o cabelo ia caindo, mas havia algo de anormal. Animado, o seu padrinho foi desfiando, orgulhosamente, o rol dos últimos acontecimentos e Sofia foi percebendo o quanto havia perdido com a sua ausência: dores de cabeça, mal-estar, idas ao hospital, diagnóstico, operação e recuperação. “Como foi possível? Tudo tão rápido….”. Sofia procurava recuperar do choque das notícias que recebia, ao mesmo tempo que procurava nos olhos do seu padrinho algo que pudesse não estar a ser dito em palavras. Mas tudo o que encontrou foi alegria, muita, pelo sucesso da operação, pelo Natal que passaria com a família, os filhos e os queridos netos. “Estou feliz Sofia, o pior já passou! Dá-me um abraço!”. No caminho de regresso a casa, as emoções ainda à flor da pele turvavam os pensamentos de Sofia. O alívio de que, afinal, estava tudo bem e não passara de um grande susto não era o suficiente para abrandar a tristeza de não ter estado ao seu lado a apoiá-lo, com palavras, com carinho, com a sua presença. “Mas sim, ficou tudo bem e isso é que interessa” – dizia Sofia para com os seus botões na difícil tentativa de encontrar algum reconforto.

 

O Novo Ano chegou. Com ele novas esperanças e projetos e a tristeza de Sofia ia tornando-se mais leve a cada dia que passava. Até que um dia, receou atender uma chamada. O nome que insistia piscar no visor do seu telemóvel era tão raro como preocupante e não augurava nada de bom. Os piores receios de Sofia confirmaram-se e daí foi diretamente para o hospital. Nos olhos do seu padrinho, uns meses antes, havia apenas encontrado alegria sincera. Contudo, o susto tornara-se numa certeza, irremediável e fatal, e a recuperação não passara de uma ilusão. Algumas semanas depois, o homem que visitava religiosamente já não parecia o mesmo que sempre conheceu. Não reconhecia na sua face o carinho dócil dos seus olhos e o sorriso terno de um menino. A doença flagela o corpo mas não se esquece de espezinhar a alma. Numa das últimas visitas, já só o corpo parecia marcar presença naquela cama fria. Em esforço, pediu a Sofia que se aproximasse. A sua voz era já fraca e apesar do grande esforço que fez foi apenas percetível um sussurro: “Sofia, estou a morrer…”. Encurralada entre a vida e a morte, Sofia não sabe se conseguiu conter as lágrimas que inundavam os seus olhos, enquanto lhe afagava a testa quente. Sorriu e disse “Não tenhas medo padrinho, eu estou aqui.”

 

Se é verdade o que dizem sobre os mortos viverem um pouco sempre que os recordamos, hoje trago o meu padrinho de volta à vida.

 

Liliana Jesus

 

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13.10.11

 

Para os mais distraídos e para que não haja dúvidas, o melhor é dizê-lo de uma só vez: vamos todos morrer! É uma das maiores certezas desta vida e também uma das mais democráticas: toca a todos por igual e não contempla exceções.

Provoca algum transtorno, sim. Mas é inevitável, principalmente no fim da vida.

Já decorreram milhares de anos desde que começou a morrer gente e continuamos a saber muito pouco sobre este fenómeno. É como se fosse um departamento do conhecimento universal vedado ao Homem, um espaço de sabedoria sem janelas, um lugar de acesso altamente restrito.

Entender a morte parece-me, no entanto, mais simples que entender a vida, até porque é mais fácil falar daquilo que julgamos estar distante de nós. E tal como percebemos melhor o frio se experimentarmos o calor, talvez encontremos o sentido da vida se nos aproximarmos da morte.

Plagiando uma ilustre conhecida dos nossos tempos, "estar vivo é o contrário de estar morto". A vida deve ser, em teoria, tudo aquilo que a morte não é. Assume-se que a vida e a morte ocupam pólos opostos, entretanto, são as duas faces da mesma moeda.

Há pessoas que estão vivas mas não se nota nada. Outras, porém, que já morreram há muito mas ainda se fazem presentes.

Não sei o que é estar morto, logo, também não sei o que é estar vivo. Só sei que a vida se compõe por muitas mortes, como se todos os dias fossemos morrendo um pouco mais. Nascemos, crescemos, tornamo-nos autónomos e às tantas traçamos para nós um plano, uma rota, uma série de caminhos que queremos trilhar: ser saudável, estabilizar as contas, constituir família, envelhecer em paz, por aí fora. Mas não há caminhos sem obstáculos. Uns maiores que outros.

Viver é seguir caminho. A cada obstáculo deixamo-nos morrer. Vamo-nos aproximando gradativamente da morte final através de experiências menores de morte: quanto de nós morre quando parte algum dos nossos? Quanto vivos ficamos depois de um desastre amoroso? Quantas vezes morre uma mãe até que o filho se endireite?

Viver é seguir caminho, de novo. De cada vez que recuperamos de uma dificuldade, a vida continua. Mas entretanto a vida ficou adiada.

Gostaria de perceber qual é a utilidade da morte. De que me serve a finitude? Ter essa espada sempre por cima da cabeça cansa e não me traz qualquer vantagem. Pior: para que me serve ir morrendo aos poucos se posso fazê-lo de uma só vez?

Este procedimento padrão de morrer sempre que se vive é muito estranho. Faz-me pensar que se vamos morrer, então mais vale não me dar ao trabalho de viver. Mas aí começo a equacionar as desvantagens de morrer, que devem corresponder às vantagens de viver, e concluo que ainda não me apetece falecer.

Afirmar que os obstáculos fazem parte da vida parece-me poético. Os obstáculos fazem é parte da morte. Para viver temos que estar sempre a contornar, a enganar e a fugir à morte. Voltamos à vida tantas vezes quantas as vezes que morremos, e o mais certo é essa nova vida ser diferente da anterior.

Em função desta definição é provável que encontremos mais gente morta que viva, porque quase ninguém escapa aos obstáculos. Os conceitos de vida e de morte podem afinal não ser tão opostos quanto se julga. Estar vivo pode não ser o contrário de estar morto. Pode a morte ter sentido se não incidir sobre a vida? Então a vida só fará sentido se for vivida em função da morte, nos momentos em que nos autorizamos a escapar-lhe.

 

Joel Cunha

 

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6.10.11

 

Como qualquer ser vivo, me intriga a morte. O que acontece depois? É verdade que voltamos, ou talvez não, se o nosso comportamento não estiver de acordo com o esperado? É verdade que voltamos na mesma família, com os mesmos amigos, até superar diferenças?

Não tenho a menor ideia do que acontece. Nunca tive nenhum tipo de experiência, dessas que a pessoa vê um túnel e sai em direção a ele.

O que me atormenta é o que dizem. Nós só levamos o que vivemos, mais nada. Não temos como levar nem um pouco do perfume que mais gostamos. Penso muito nisso, porque como muita gente estou despreparada. Já me falaram que rola um julgamento, onde não existe argumento, você é obrigado a assistir toda a tua vida e será julgado pelas coisas que não fez, não pelas que fez. Também me falaram que o filme da vida é dividido em duas partes. A primeira parte são as coisas ruins, pode levar eternidades para assistir e ver como você lidava com isso e a outra parte, muito rápida, são os momentos bons, felizes, plenos, essa parte dura segundos e isso determina que tanto você aprendeu na vida.

Me sinto despreparada porque não fiz até agora as coisas como deveriam ter sido feitas. Desde que nasci me perdi em problemas de peso, dietas malucas e ideias imbecis sobre o que é bonito ou não. Tenho doutorado nisso, em mutilação, tortura, fome, remédios para emagrecer e milhões de coisas picaretas. Sei tudo isso de cor, posso em segundos falar quantas calorias existem em milhões de coisas. Mas não vou levar o meu corpo ou seja, todo esse trabalho, toda essa dor, no fim não me servirá de nada. Trinta anos jogados no lixo e ainda desconfio que alguém lá em cima vai me dar uma bronca. E não sei se dá para juntar segundos de felicidade, para a segunda parte do filme. Isso também me atormenta. Sempre fui boa aluna aqui, não sei como será chegar lá e ficar ouvindo um monte. Minha única defesa é que eu não fui avisada. Ninguém me disse que os padrões estéticos do mundo não são reais, nem que a felicidade era uma coisa simples, nem que sentimentos ruins tem que ser domesticados, controlados e isolados, como doenças contagiosas.  Ninguém me avisou que eu poderia ser feliz sem muitas ambições, só seguindo o que eu quero, não o que me dizem para seguir. Ninguém me disse que minha vida ou a de qualquer um, poderia ser harmoniosa como a de uma borboleta, respeitando os ciclos e voando só por um motivo, não por milhões deles.

Espero ter tempo de reverter isso, mudar o filme, editar as partes ruins e colocar mais boas . Espero ter tempo de agradecer meu corpo por tudo de bom que ele fez e por todas as torturas que ele suportou em silêncio. Espero ter tempo, gostaria de chegar lá e saber que ninguém me avisou como era a vida aqui, mas ainda assim eu soube viver. Gostaria de pensar isso, talvez já morri um dia, mas agora estou de volta à vida.

 

Iara De Dupont (articulista convidada)

 

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23.5.11

 

Sentou-se no sofá. Ainda tremia. Tudo parecia desmoronar. Maria não podia acreditar nas palavras do médico. Aquela doença. Ainda latejavam as palavras no seu cérebro: ”Senhora Maria, lamento informar, mas o tumor encontrado é maligno. A Senhora Maria tem cancro”. A partir dali deixara de ouvir. Fixara-se na sentença que o médico proferira.

- “Cancro???” – repetia aterrorizada. Como podia estar a acontecer-lhe a ela, que até tinha uma vida saudável.

- “Vou morrer” – desabafaram as lágrimas pelo seu rosto.

 

Maria fora sempre uma mulher enérgica. Tinha uma família da qual se orgulhava e a fazia sentir amada. Era realizada profissionalmente, adorava o que fazia. Maria, era uma pessoa contente com a sua vida. Sempre tudo tivera um rumo.

Após a faculdade, tinha arranjado trabalho na área. Conhecia já Francisco e pouco tempo depois acabariam por se casar, numa cerimónia magnífica, tal como ambos sonharam. Daí para frente a rotina tornou-se um clássico, mas ambos sempre gostaram de desafios e novos projectos, e por isso não tardou a terem filhos e sentirem-se abençoados pela vida. A vida que, num contratempo ou outro, os habituara a sorrir. Não era comum questionar a existência ou até o sentido da vida, já que sempre o destino se encarregara de lhe traçar bons trilhos. Viviam numa espécie de véu que os fazia sentir protegidos, com sentido, como se tudo se encaixasse perfeitamente.

 

Caíra como uma pedra num charco aquela notícia. Francisco nada sabia sobre a doença oncológica de Maria. Maria não queria preocupá-lo com algo que poderia ser nada. Quando ouviu o som metálico da chave na fechadura, Maria estremeceu.

- “E agora?” – pensava. “Como lhe vou dizer que vou morrer?”.

Francisco entrou. Como sempre, fez os gestos do costume, mergulhado no seu automatismo.

- “Amor, cheguei” – anunciou.

Maria manteve-se intacta. Francisco estranhou. Subitamente pressentiu algo.

- “Maria, está tudo bem?” – perguntou preocupado.

A face de Maria tinha as marcas das lágrimas escorridas.

- “Meu amor, que se passou?” – insistiu Francisco.

- “Tenho Cancro” – respondeu secamente Maria.

Francisco estarreceu. Sentiu-se quebrar. “Não faz sentido!! Cancro?”. O mundo desabara. Imediatamente Francisco pensou na morte. Abraçou a sua mulher. Maria em prantos gritava “Vou morrer, vou morrer!!”.

A noite chegara. Estavam ambos deitados na cama sem conseguir deixar de fixar o tecto. Maria sentia-se confusa. Estava amedrontada com a ideia que tudo poderia acabar. Nunca pensara propriamente na possibilidade de morrer assim. Sempre tivera uma vida sem dissabores. Nada daquilo fazia sentido para si. Como era possível, de um momento para o outro, tudo acabar? Simplesmente não fazia sentido. Porquê a ela? Porquê agora? Que sentido tinha ter vivido uma vida de sonho para agora acabar de uma maneira tão terrível? Que sentido tinha a vida afinal?

 

Levantou a cabeça cansada. Estava nauseada. Aquele ciclo tinha sido mais desgastante. Sentia-se fraca. Mas sabia que era normal. Dirigiu-se à cozinha para beber um gole de água. Sabia que Francisco estava a chegar. Queria muito estar no seu colo, com o amor da sua vida. Os braços de Francisco confortavam-lhe a alma e davam-lhe ânimo para combater o Cancro.

Algumas semanas tinham passado desde o choque da notícia. Maria começara a tentar viver um dia de cada vez, como tanto lhe diziam no hospital quando fazia os tratamentos. De certa forma, Maria estava mais desperta para a vida. Para os pormenores. Para quem estava a seu lado. Houve tempos em que nada fazia nexo. Após se confrontar com a morte, com o medo, após discutir com o universo, Maria começara a aprender a sua condição humana, a sua fragilidade. Aceitara o que o destino lhe colocara no caminho. Mas não se conformava em desistir. Francisco não deixaria.

Era como os passarinhos que todos os dias a acordavam. Nascera, crescera, dera à luz, e agora estava na luta pela vida que, um dia, naturalmente, acabaria. Como a de qualquer ser vivo. Maria, percebera que o sentido da vida era ter sentido. Um sentido seu. Percebeu que uma pessoa sem sentido já estava morta, mesmo que organicamente viva. Mas muita vida existia dentro de Maria. Tinha vontade de viver. Viver cada minuto que ainda tinha. Se um dia, por uma questão genética, ganhara vida por puro acaso, não pretendia desperdiçar nem um minuto dessa vida, que inevitavelmente, num certo minuto acabaria por findar. Assim, sem mais nem menos.

 

Cecília Pinto

 

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16.5.11

 

As crianças desconhecem-na, ingenuamente, por não terem consciência plena da condição humana. Os adolescentes ignoram-na, embriagados pela protecção ilusória que a juventude lhes proporciona. Os adultos vão-se vendo obrigados a ir lidando com ela sempre que os seus efeitos tropeçam nas suas vidas. E os idosos aprendem a ir aceitando, dia após dia, a sua inevitabilidade mais ou menos próxima. A morte é uma certeza cruel, fria, uma verdade que encerra um silêncio ensurdecedoramente infinito e que nos acompanha, sempre, ainda que a tentemos esconder, ainda que a tentemos atropelar com o ritmo frenético das nossas rotinas quotidianas. Como perceber, então, como aceitar, que seja esta mesma morte anunciada que garante a beleza única e singular à vida humana e que nos recorda, todos os dias, o privilégio que temos em acordar e em estar vivos?

 

A morte e a sua natureza fatalista provocam no Homem um desequilíbrio constante que deriva da angústia de se conhecer o seu fim inevitável e nada poder fazer para o alterar ou evitar. Mas se o Início já faz parte do nosso passado, quando dele tomamos consciência, e o Final espera-nos irremediavelmente, caberá a cada um nós, enquanto indivíduos, definir e escolher aquele que será o seu “Durante”. Mais do que descobrir o sentido da vida como se de um segredo guarado a sete chaves se tratasse, talvez o Homem deva concentrar-se no caminho que decide ir desenhando na calçada do seu trajecto de vida. Um caminho que assuma sem reservas a tragédia da própria condição humana e que, com a mesma determinação e coragem, consiga reconhecer ao Amor, à Alegria e às emoções positivas, o poder de se restabelecer o equilíbrio existencial. Durante a construção desse percurso, acredito que poderemos contar com a companhia de uma outra grande certeza: a de que “nunca nos sentiremos sozinhos desde que a nossa preocupação seja o bem-estar dos outros” (António Damásio).

 

Liliana Jesus

 

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18.4.11

 

O tempo rasteja, caminha, dança e voa, não necessariamente por esta ordem, num frenesim desenfreado e enigmático. Andei décadas “aos papéis”, a tentar adivinhar como e quando, e só agora percebo que ele passa, na velocidade certa, em todas as fases da nossa vida. Quando somos muito jovens, cada dia parece uma eternidade. A ansiedade em ser adulto é tão grande que às vezes nos consome. “Quero crescer. Quero crescer depressa.” E a vida faz-nos a vontade. Chegados a adultos, percebemos que tudo mudou: a nossa percepção do tempo, as expectativas, os sonhos que nos dilaceram, as dores que nos libertam. Tudo. Se tivermos sorte - eu tive - apaixonamo-nos por alguém que nos enche as medidas e nos devolve, numa simbiose perfeita, o sonho de uma vida em comum. Todavia, por mais que alguém se projecte no futuro, dificilmente consegue imaginar o seu aspecto, as suas vivências, na idade maior. Fiz esse “exercício” várias vezes mas, ainda agora, tenho dias em que acordo de manhã e me olho no espelho, e não reconheço aquela velhice na pele. Não sou eu ali reflectido, mas sim aquele rapaz de pouco mais de três décadas, tão vívido na minha memória, que vivia à boleia de um tempo que nunca foi seu.

A idade maior instalou-se, juro que não dei por nada. Equacionei tanta coisa para mim nesta etapa, menos estar só ou sentir-me, cada vez mais, frágil e assustado. Descobri, por exemplo, que não gosto dos dias negros e chuvosos. Quando acordo, abro a janela e a casa permanece na escuridão, vejo a morte na penumbra. Nesses malditos dias escuros, sinto-a junto a mim e morro de medo de que não seja apenas uma visita, e ela não queira regressar sozinha. Então, ainda que chova, faça frio ou me doam coisas no meu corpo que eu nem precisava de saber que existem, forço-me a sair de casa. Misturo-me com a multidão, esperando assim ludibriar a morte e prolongar a minha estadia. Não gosto da solidão, lido muito mal com a falta da minha “metade” de uma vida inteira mas, ainda assim, não me leves a mal, não tenho pressa em te seguir. Muitas vezes te chorei na praia, quando a saudade já não cabia dentro de mim. Gosto de chorar junto ao mar porque só aí as minhas lágrimas parecem pequenas… Mas hoje não quero chorar. Hoje o dia dói.

Hoje está um desses dias negros e pesados. Estou particularmente melancólico. Saí de casa e entrei num autocarro onde, abrigado da chuva, pude ver e ouvir gente. Ao meu lado, sentou-se uma jovem que me sorriu. Não sei por que razão lhe disse o que sentia… Talvez o sorriso dela tenha desvanecido a minha angústia reprimida, tornando-a tão leve que me saiu pela boca. Confessei-lhe, baixinho, que nestes dias sentia a morte presente e que ansiava pelo sol, para alumiar a escuridão. Ela olhou-me nos olhos e disse-me que a morte caminhava com todos nós: novos, menos novos, ricos e pobres, homens e mulheres, desde que nascíamos. E que nos levava, indiscriminadamente, quando nos saía o bilhete premiado. Não consegui deixar de sorrir e, quando me retribuiu o sorriso, senti que havia mais sol sobre mim.

Regressei a casa, ainda chovia. Assim que entrei, lá estava ela na penumbra. Não senti frio, não tive medo. Disse-lhe: “Ah velhaca, hoje não é o meu dia, não tenho o número premiado. Volta amanhã.”

 

Alexandra Vaz

 

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18.11.10

 

A Mariana não foi ontem à escola, nem no dia anterior. Estranho. Pensei que estivesse doente e liguei para ela. Do outro lado da linha, um silêncio ensurdecedor: ninguém. No messenger, nada, absolutamente nada. E não, não era normal. Mesmo quando estávamos doentes, ficávamos sempre ligadas on-line. Havia sempre tanta coisa para contar: o rapaz giro que nos devolveu um sorriso, a professora de Matemática que exigia sempre mais de nós… Um dia na escola, para quem tem 15 anos, é mesmo uma eternidade, repleto dos acontecimentos mais importantes e decisivos das nossas vidas. Mas, e a Mariana?

 

“A Mariana partiu.” – disseram-me hoje os meus pais. Partiu? Para onde? Foi viajar e não me disse nada? Impossível! Nós partilhamos tudo… Até que, o peso da verdade imutável se abateu sobre mim. Senti-me esmagada e sem ar. A minha melhor amiga matou-se?!... O turbilhão de pensamentos embalados por emoções confusas tomou conta de mim. Como é que ela foi capaz de me abandonar? Eu, que preciso tanto da sua ajuda e do seu ombro sempre amigo. Que raio de amiga sou eu que não me apercebi de nada? Mas porque é que ela não me pediu ajuda? Porque é que não falou comigo? Oh… espera; será que até falou? Será que, quando dizia que estava farta de tudo e de todos, será que não estaria a exagerar, como eu pensei? Será que a tristeza que trazia nos olhos era mais intensa do que eu supus? Que culpa que eu sinto! E dói tanto! Quando a minha melhor amiga precisou mais de mim, eu não estava lá. Ou até podia estar, mas não estava atenta àquilo que era realmente importante. Tantas coisas que julguei, pensei, supus, sem nunca procurar a verdade. Tantas perguntas que ficaram por fazer e que agora me torturam. Mas agora é tarde, a Mariana já partiu…

 

Numa coisa tenho razão: a Mariana estava doente. Sim, sofria de solidão. E pela primeira vez na vida, sinto que ter razão é um vazio amargo e corrosivo. E de que serve… de que serve ter razão? Chega de perguntas… perdoa-me Mariana!

 

Liliana Jesus

 

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15.11.10

 

Abre lentamente os olhos. Há demasiada luz.

- Onde estou? – Pensou; - Morri? – Suspirou.

- Olá, como se sente? – Pergunta calmamente a enfermeira.

- Não morri? – Responde.

- Não, não morreu, mas quase. – Retalia a enfermeira.

Ana sente vontade de vomitar, começa a ficar agitada e sente cólera a invadi-la. Quer gritar, mas nem o grito de raiva consegue expulsar. O ar falta. Os enfermeiros acodem.

 

Trimmmm…

- Ah, estou? – Atende uma voz estremunhada.

- Boa noite. Estou a falar com a senhora Patrícia? – Pergunta uma voz estranha.

- Sim, é ela. Quem deseja saber? – Pergunta.

- Senhora Patrícia, ligamos do hospital. A sua filha Ana está cá internada. Pedimos que venha o mais rapidamente possível.

Num salto senta-se na cama.

- O quê? A minha filha?! Que aconteceu? – Pergunta com o coração sobressaltado.

- A sua filha está estável, mas pedimos que compareça por favor.

A meio da noite duas personagens lançam-se numa corrida louca para o hospital. Não há vermelhos que os impeçam. Os corações batem demasiado rápido para abrandarem num semáforo.

 

- A minha filha está aqui internada. Quero vê-la. – Atira Patrícia.

- Nome? – Remata alguém com impaciência.

- Ana – desespera a mãe.

- Aguarde um momento, por favor.

- Aguardar?! O que se passa com a nossa filha? - Pergunta um olhar assustado.

- Um médico já os vem atender.

Os olhos extravasam lágrimas. Patrícia sente-se ansiosa, angustiada, nervosa. A sua filha, a sua única filha.

- São os pais da Ana? – Pergunta o médico.

- Sim. Responde o pai, com a mãe nos braços.

- A vossa filha está agora estável.

- O que aconteceu, doutor? – Pergunta a mãe.

- A sua filha tentou suicidar-se com comprimidos.

- O quê?! Sui…suicidar-se? A Ana?! Não é possível – diz o pai

- A minha Ana? Porque faria uma coisa dessas? – Continua, aterrado.

Patrícia não reage. O seu mundo desaba. Há um grito que se espalha e a quebra por dentro.

- Como foi capaz? – Diz por fim.

Há confusão, alheamento e uma súbita mágoa naquelas duas personagens.

 

Ana, já não tem lágrimas. Continua desolada pela sua sobrevivência.

A raiva persegue-a.

- Quero morrer!!! Porque não me deixaram morrer?! – Grita angustiada.

- Os seus pais estão aqui Ana. Para a ver – diz a enfermeira.

Ana pára. O seu corpo gela. Os seus pais, aqueles que lhe deram vida estavam ali. E ela só queria morrer. O coração está em espera. Não bate. Sofre e tem medo. Medo do confronto com os seus progenitores. Ela não queria fazê-los sofrer. Só queria partir. De vez.

- Ana, como pudeste? – Pensou a mãe enquanto a olhava nos olhos.

- Filha – diz em vez.

Ana desata a chorar. Esconde os olhos, como quem esconde a culpa.

O pai abraça a filha e promete estar sempre lá, dizendo que ela não está sozinha. Ana sente ainda mais culpa.

A mãe fixa a filha. Sente culpa também. E raiva. Como pôde aquilo acontecer.

- Filha, que fizemos nós? Onde falhamos? – Pergunta desesperada a mãe.

- Patrícia, agora não. – Responde o pai.

- Vai tudo correr bem, filha. – O pai abraça de novo a filha. - Vamos conseguir ultrapassar isto.

O quarto permanece cheio de dor, culpa, remorsos, tristeza, vergonha, medo, raiva. Todos estão partidos à sua maneira. No meio de tanta dor, permanece no entanto o amor. Está ali, mesmo que nem todos o consigam olhar nos olhos.

 

Cecília Pinto

 

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4.10.10

 

- Hoje sonhei que estava no Céu… - disse ele - …e senti bem-estar… senti paz…- continuou - Se o Céu for assim já não tenho medo de morrer!

- E vai ser assim… não vai? Vamos estar em paz… – disse ela.

- Sabe… hoje a minha Mulher faz anos…

 

Conheci o Sr. Armando e a esposa em meados de Junho. Ele tinha 44 anos, ela perto dos 50, estavam juntos há 10, ambos no segundo casamento. Ele tinha um cancro em estado avançado e encontrava-se em fase terminal. (- Foram 5 anos de luta! Sabemos que o fim está próximo…) Após o diagnóstico ela deixou de trabalhar para o acompanhar, para poder estar sempre por perto. (- Ele é o mais importante… quero estar sempre ao lado dele, quero fazer o que estiver ao meu alcance para que ele esteja bem… esteja feliz… até ao fim.)

Tinham tudo preparado. A pedido dele, ela comprou um pedaço de terreno no cemitério da aldeia, escolheu a lápide que ele mais gostava, arranjou o fato que ele vestiu no casamento e que ele gostava de poder usar no dia do funeral. Conseguiu também proporcionar o reencontro com o filho, com quem ele já não falava há alguns anos.

Quando o Sr. Armando foi internado, já mais debilitado, a sua preocupação era o aniversário da esposa (- Sei que é o último… gostávamos de poder passá-lo juntos…). Nesse dia o Sr. Armando acordou bem disposto, disse que se sentia muito melhor, o seu olhar estava atento e tinha um brilho especial. Quando a esposa chegou conversaram, riram, brincaram, choraram, beijaram-se… Ele ofereceu-lhe a prenda que religiosamente guardava na gaveta da mesinha de cabeceira.

Ainda nessa noite o Sr. Armando faleceu… em paz.

 

Este relato é baseado em factos reais, na história de um dos doentes que tive o PRIVILÉGIO de conhecer. Foram feitas algumas adaptações e o nome da personagem é fictício; todos os diálogos são reais.

 

Joana Gonçalves

 

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27.9.10

 

- Mãe, conta-me outra vez a tua história e do pai.

E eu contei, pela enésima vez, como eu e o teu pai nos conhecemos. Falei-te da magia que ambos sentimos quando os nossos olhares se cruzaram. Das juras de amor eterno, do casamento, da felicidade que nos invadiu por acreditarmos ser almas gémeas. Contei-te o quanto te desejamos, todos os planos que fizemos contigo e a tremenda alegria que sentimos quando te apertamos nos braços pela primeira vez. Mudaste as nossas vidas para sempre.

Durante os nove anos seguintes vivemos em estado de graça. É incrível o quão apaixonados nos sentimos, todos os dias mais um bocadinho, por um filho! Disse-te que te amava assim, com um amor que foi crescendo dia após dia, até já não caber dentro de mim.

 

Desta vez, já não contei a história até ao fim. Tu, já não a ouvias. Senti a tua mão soltar-se da minha devagarinho e os traços do teu rosto suavizarem-se, como se tivesses adormecido. Respiraste pela última vez. Eu também.

Não sei durante quanto tempo chorei depois da tua morte. Toda a gente pensou que chorava apenas por te perder de uma forma tão vil mas, na verdade, também chorava pela culpa que me atormentava. Senti-me aliviada quando partiste. Já não suportava ver-te sofrer, dia após dia, durante tanto tempo. Não suportava os teus gritos de dor quando já nada te aliviava. Consegues perdoar-me, filho? Eu ainda não me perdoei a mim própria…

Não compreendo muitos dos meus sentimentos, apenas descodifico o amor que sinto por ti…Passaram-se três anos, dizem. Não sei… O meu tempo parou quando partiste e ainda não acordei desta letargia que se abateu sobre mim.

Hoje estou aqui, ao pé da tua campa. O teu pai fez questão de a escolher; foi a última coisa que fez antes de partir. Estive muito tempo sem cá vir mas hoje saí de casa. Vim ver-te. Vim contar-te de novo a nossa história. Sei o quanto gostas de a ouvir. Dizias que os meninos deviam ser todos especiais e nascerem de histórias preciosas, como a tua. Tinhas razão, filho…

 

O teu pai já cá não está para a contar comigo. Não suportou a tua ausência e perdeu-se nele próprio, tal como eu. No entanto, descubro hoje que há amores que resistem à ferocidade do tempo e às intempéries da alma, e que se prolongam para lá da vida.

Já não te posso abraçar, nem ouvir a tua voz, mas continuas a viver dentro de mim. Aí, nunca morrerás, nunca sofrerás. Serei sempre a tua mãe, serás sempre o meu querido filho.

Sempre. Para sempre.

 

Alexandra Vaz

 

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16.9.10
 
Há histórias de amor que são transversais à História, passam de país para país até à sua universalidade, ano após ano, década após década, séculos, até à sua imortalidade.

Gosto dos finais felizes. E, nos casos em que o trágico imortalizou a história, torço pela reversibilidade do final. Importar-me-ia pouco, ou quase nada, se a História não trouxesse até mim o amor de Romeu e Julieta, desde que os dois não morressem no final. Alterar o final é assassinar a imortalidade deste romance, mas que ao menos Julieta acordasse antes do seu amado tomar o veneno fatal.

E o que teríamos perdido se Pedro e Inês simplesmente tivessem casado e vivido felizes para sempre, enfrentando a contrariedade de D. Afonso IV e o despeito de D. Constança? Gosto de histórias de amor e os finais tocam-me particularmente. Conheci recentemente mais uma história de amor à qual, tivesse eu possibilidade, alteraria o final.

 

Um dos lugares mais carregados de simbologia na prisão de Kilmainham Gaol, em Dublin, é a capela. Simples, com um modesto altar colocado no lugar onde antes tinha sido uma porta, acesso a um pátio onde fuzilavam os presos cuja sentença ditava esse fim. Naquela capela realizou-se um casamento que teria apenas a duração do dia seguinte. Não sei que felicidade experimentaram, mas o anúncio da vida interrompida do noivo - decisão inalterável, só pode ter-lhes causado uma imensa dor.

Joseph Plunkett, com 25 anos, um dos líderes da resistência irlandesa, foi preso em 1916, julgado e condenado à morte. Apesar do peso desta condenação a sua namorada, Grace Gifford, quis casar antes que fosse cumprida a sentença. As autoridades deferiram o pedido e a cerimónia do casamento decorreu na singela capela da prisão Kilmainham Gaol onde Joseph Plunkett estava preso. Quando a cerimónia terminou Joseph foi novamente para a sua cela e a recém esposa, agora Grace Plunkett, foi acompanhada à saída da prisão. Aí permaneceu, enconstada ao muro, até às 4 horas da manhã, hora a que ouviu os tiros que tiraram a vida ao seu amado.

Poucos terão tido a honra de testemunhar este acto de amor, mas houve alguém que, com a sua bondade, surpreendeu a desgraçada Grace. No dia anterior à data do casamento, chorosa, foi comprar as alianças. A sua imagem de tristeza não combinava com o acto que iria realizar e suscitou a curiosidade do ourives que, depois de saber o que se passava, ofereceu-lhe as alianças mais caras que tinha na loja.

Enquanto houver alguém que nos credibilize como humanos, a vida tem valor e o nosso futuro é possível.

 

Não sei que força animou Grace para, naquela madrugada, abandonar o muro que a separava do pátio onde jazia o seu marido. Não me custa crer que, no seu entendimento, a melhor maneira de o chorar seria empreender a sua luta. Ela não voltou a casar mas voltou àquela prisão, no período da guerra civil, então como reclusa.

 

Cidália Carvalho

 

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13.9.10

 

A porta fechou-se nas suas costas. Ficou parado na soleira. Olhava em frente, olhos fixos, firmes e serenos. Olhos ávidos de reencontrarem o mundo, de receberem imagens de pessoas, de ruas, de carros, de árvores, de flores, de céu, de rio, de mar. Queria tudo sentir, com todos os sentidos, tudo encontrar e descobrir como se tivesse nascido naquele dia. Sentia-se renascido – tinha recebido uma segunda oportunidade. Como este dia começava diferente!

 

Reconhecia ter ontem excedido todas as medidas. Ao longo do tempo levara ao extremo, sem disso dar conta, o convencimento de que tudo girava à sua volta, de que sobre tudo tinha controlo. Ontem, as suas duas décadas de vida continham toda a experiência e sabedoria do mundo. Ontem, os outros - os mais velhos, os pensadores, os filósofos, os cientistas, as igrejas, Deus - todos treta, todos estavam errados, nada eram ou valiam. Ontem, à noite, mais uma discussão com ela, mais uma disputa, filha do seu ego sem forma, sem jeito. A maior, a mais dura e agressiva, a mais fútil de todas as discussões, em favor da mais vazia de todas as razões.

E de repente, o aperto no peito, a falta de ar, a incapacidade de se manter de pé. O coração dela já muito tinha batido, demasiadas vezes com demasiada força, por más razões, e estava agora a fraquejar.

O amor, bem por baixo de grossas camadas de estupidez por ele laboriosamente tecidas com fios de ideologia e de indiferença, agigantou-se e dominou-o por dentro. Abriu-lhe os olhos para que a visse. Abriu-lhe os ouvidos para que a escutasse. Abriu-lhe o coração para que a entendesse e aceitasse. E ao ego, com todas as certezas que continha, rebentou-o, esvaziou-o, fê-lo rodopiar como um balão moribundo dentro do cérebro dele.

E assim, alterado, regressou a si mesmo. Inundou-o o medo da morte, o medo de que ela morresse, assim, ali, por sua causa, por tanta tristeza acumulada sem dele desistir. Quis levá-la ao hospital, insistiu, persistiu na vontade. Ela recusou, insistiu, persistiu na recusa. Ele não tinha como a obrigar mas sentia que sem isso a perderia para sempre. E isso seria injusto para ela. Teve de aceitar a recusa e encontrar outra forma de conseguir que ela vivesse. Abriu a memória, procurou algo que por vontade própria rejeitara, deitara fora, espezinhara. Ajoelhou-se e começou a rezar. Rezou toda a noite, de joelhos no chão, cotovelos na cama dela, com determinação e fé. Bem mais tarde ela acalmou, repentinamente. Ele receou o pior, mas logo se tranquilizou. Fixou a hora – uma hora - e continuou a rezar, até que adormeceu. Acordou entorpecido e como já tudo estava bem, cambaleou até à sua cama.

De manhã, bem cedinho, o telefone tocou. Ele acordou e atendeu. Era a vizinha do lado que noticiava que naquela noite, era uma hora, o seu marido morrera súbita e inesperadamente. Ele compreendeu que naquela noite a morte estivera naquela casa. E Deus também.

 

A porta fechou-se nas suas costas. Ficou parado na soleira.

 

FCC

 

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16.8.10

 

- Este exame já está. A doutora virá já ter consigo.

Mais um exame para a já longa colecção. E depois mais outro e outro e outro… Quantos mais quererão eles? E para quê tudo isto? Perceberão o quanto cada exame me faz sofrer?

Levou a mão à cabeça, passou os dedos pelos cabelos, lentamente. Sempre gostou do seu cabelo e de o ter um tanto comprido – liso, ondulava ao crescer. Fez a mão deslizar lentamente, para melhor fixar a sensação na memória. Desde que aceitara que o fim estava a aproximar-se, procurava fixar todas as boas sensações, as que estavam ignoradas, as suas conhecidas, as que experimentava pela primeira vez, tentando guardá-las bem vivas para as levar consigo.

Ai estas esperas, estas esperas e desesperas… Os médicos evitam falar comigo – demoram, depois chegam e despacham, com o carinho e o embaraço de quem sabe que nada resulta, de quem não tem respostas, nem soluções. Não sabendo lidar com estas situações, refugiam-se nas tentativas sem fim. Tentar o quê? Falta-lhes coragem, acho eu. Um destes dias vou ter de assumir por eles, colocar fim a estas tentativas e exames, deixar a natureza funcionar, sem ser contrariada, sem ser retardada.

Olhou as suas mãos – estavam magras, secas e picadas.

Para quê continuar a estragar estas mãos?

 

Esticou-se na cadeira, deixou a cabeça cair um pouco para trás. O seu pensamento foi para longe.

Todos fogem da morte, seja ela dos que lhes são indiferentes, seja dos que lhes são queridos, seja da sua própria morte.

E logo o pensamento veio para mais perto. Recordou o rosto da sua mulher e desejou estar junto dela, tocar-lhe, senti-la. Sabia o quanto ela iria sofrer com a sua ausência e essa era já a única coisa que o incomodava emocionalmente. Queria morrer junto dela.

Como vais sofrer minha querida -  e eu nada posso fazer para o evitar. Sei que te reencontrarei e isso tranquiliza-me, mas irás ficar aqui, sozinha, por algum tempo. Sei que irás sofrer em silêncio. Espero que os nossos filhos consigam ser para ti alguma compensação.

Tentou parar o pensamento, colocá-lo no vazio, descansar. Ficou assim durante uns minutos.

Depois, recomeçou a construir pensamentos, lentamente. Sentia-se cansado e, tanto quanto conseguia avaliar-se a si mesmo, preparado. Ou quase preparado. Queria ver algumas pessoas, uma meia dúzia de pessoas, pela última vez, mas sem o revelar para não as assustar, e depois sim, estaria preparado.

 

Queria ficar tranquilo, senhor da sua sorte, com a família, em particular com a mulher que amava. Já não aguentava o inútil esforço de mais exames e testes.

Está decidido: quero seguir o meu caminho sem mais atrasos. Quero ir para casa!

 

FCC

 

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24.5.10

 

Eu gosto muito do meu avô. Da minha avó também. Mas com o meu avô é diferente: brinca comigo, não ralha, leva-me à escola, vai lá buscar-me ao final do dia… É diferente. Mas eu agora estou de férias.

 

Ontem, depois do almoço, o meu avô esteve a ensinar-me as jogar as cartas. Depois foi deitar-se, para descansar. Ao final da tarde levantou-se; eu ouvi-o a tossir.

De repente, e não sei porquê, a minha avó ficou muito nervosa. Por vezes ela enerva-se, por esta ou por aquela razão, mas nunca a vi assim tão nervosa, mesmo aflita. Mandou-me ir brincar para o rés-do-chão e não subir. Depois telefonou para a minha mãe e para a minha tia. Chorou a falar com elas, que eu bem a ouvi. Disse-lhes que era necessário avisar os meus tios do Porto e depois avisar toda a gente. Percebi que tudo aquilo tinha a ver com o meu avô, que alguma coisa se passava com ele, mas não entendi o quê. Estaria doente? O meu avô nunca estava doente – só tinha frio. Como ela estava muito nervosa e a chorar, achei melhor não lhe desobedecer e fiquei na sala; mas não tinha vontade de brincar.

Quando o meu tio Luís, irmão da minha avó chegou, foi logo lá para cima e eu continuei sem poder subir.

 

Quando os meus pais chegaram já era noite. A minha mãe vinha a chorar e o meu pai parecia zangado, mas sem ralhar. Depois disseram que o avô tinha morrido. Morrido!? Como o Aniceto, a tartaruga que a minha avó me tinha dado num Natal? Ou como o Rex, aquele cão que a minha avó tinha ao fundo do quintal? Desse eu tive saudades.

Eu queria ir para o pé do meu avô; apetecia-me encostar a ele. Pedi à minha mãe, mas ela não deixou. Disse que tinha de ficar em baixo; ele ficaria em cima. Mas ele ia ficar sempre lá em cima e eu sempre sem poder subir? Mas a minha cama estava lá em cima… como iria dormir?

Já era muito tarde quando chegaram os meus tios do Porto. Eu estava a dormir, mas ouvi-os chegar. Esses também foram lá cima, onde estava o meu avô. Todos iam lá cima, menos eu. Porquê?

 

Esta manhã, bem cedo, já todos estavam acordados. E chegaram uns senhores num daqueles carros que transportam os mortos. Foram todos lá para cima. O meu pai não parecia tão zangado e eu disse-lhe baixinho, ao ouvido, que gostava de ir lá acima, ver o avô. O meu pai não respondeu. Olhou para o meu tio do Porto e perguntou se deveria deixar-me subir. O meu tio disse que sim, mas que tivesse cuidado para ver como eu reagia. Mas eu não tenho medo do meu avô – mesmo que ele esteja morto.

E subi, com o meu pai.

O meu avô estava muito quieto com as mãos em cima da barriga, deitado num caixão, pousado no chão. Estava com a cara mais branca, mas parecia estar a dormir. Teriam a certeza de que estava morto? Fui até ao pé dele e toquei-lhe na mão. Estava muito fria.

Depois aqueles senhores pegaram no caixão e levaram-no. Para onde iriam?

 

Quando as aulas recomeçarem, quem irá levar-me à escola? Apetece-me jogar as cartas com o meu avô, encostar-me a ele enquanto ele me ensina a jogar.

 

FCC

 

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20.5.10

 

Em todas as culturas do mundo o conto serviu propósitos diversificados. Daí que o interesse por este, ao longo dos tempos, se tenha manifestado nas mais distintas áreas do conhecimento.

O conto estuda modelos textuais, formas primitivas de viver, estabelece regras de funcionamento da narrativa, explica conflitos humanos… Em suma, o conto levanta questões que dizem respeito a todos nós. Fala-nos de aspectos da vida social, do comportamento humano, do comportamento emocional (amor, ódio, raiva, amizade) e, frequentemente, apresenta-nos contrastes que Bettelheim (1998) tão bem retratou: Bem – Mal; Luz – Trevas; Saúde – Doença; Noite – Dia.

A criança que ouve contos organiza melhor o discurso na mente e, consequentemente, cria e desenvolve estruturas que lhe permitem poder vir a compreender qualquer tipo de narrativas, por exemplo, a sua própria narrativa…

Ora, os contos, têm como base a palavra. Através dela colocam-se, perante as crianças, os fragmentos de vida, do mundo, da sociedade, do ambiente imediato ou longínquo, da realidade alcançável ou não, da própria fantasia.

Eu acredito que ao falarmos sobre a morte podemos fortalecer relações com os outros, como também podemos valorizar mais a própria vida e aceitar o que o destino nos reserva, e do qual não podemos fugir.

 

Mas, quem quer falar sobre a morte com crianças? A resposta provavelmente será NINGUÉM. Os adultos querem proteger as crianças dessas experiências dolorosas e evitar ter essas conversas.

A inevitabilidade da morte é uma condição da qual não podemos fugir, por isso evitar este assunto poderá dificultar, na criança, o entendimento dela sobre outras situações da vida. Isso não quer dizer que se fale disso o tempo todo, mas que se deve aproveitar a sua ocorrência para abordar a questão, sem exageros de protecção, até porque a criança, ao longo da sua vida, irá deparar-se com algumas perdas (entes queridos, animais de estimação…).

Muito do que aprendemos nas nossas vidas depende, por vezes, do que nos contam. De facto, contar histórias é uma forma de divertir as pessoas, de educar, de dar a conhecer, auxiliar, sensibilizar, organizar sentimentos, enfrentar tabus e medos…

Mas como é que a MORTE surge na nossa Literatura Infantil?

 

Através da Literatura Infantil pode-se lidar com todo o tipo de sentimentos, tanto da parte de quem conta a história como pela própria história em si, que pode narrar algo com que a criança se identifique.

Acredita-se que as crianças que ouvem contar histórias que abordem estas temáticas têm mais facilidade na compreensão e na aceitação da situação vivida, pois promove uma certa empatia e aproximação entre o adulto e a criança.

O tema da morte está presente em toda a Literatura Infantil. É raro o livro para crianças que não fala sobre esta temática, senão vejamos:

 

BRANCA DE NEVE E OS 7 ANÕES

Quem morre? Branca de Neve, e só renasce com o beijo do Príncipe…

 

BAMBI

Quem morre? A mãe de Bambi e o pai…

 

MOGLI  (“O LIVRO DA SELVA”)

Quem morre? Os pais de Mogli…

 

A CAROCHINHA E O JOÃO RATÃO

Quem morre? O João Ratão…

 

PETER PAN

Quem morre? O Capitão Gancho…

 

…e a lista continua…

 

Aproveitem e valorizem cada segundo do vosso tempo, já que o destino está traçado, e da morte ninguém jamais poderá fugir…

 

Susana Quesado / Maria Graça Sardinha

 

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17.5.10

 

- Sabes, o pai morreu e foi para o céu e está lá em cima, com as estrelas, a sorrir.

- Mãe?

- Sim, filho?

- Dás-me um telescópio no Natal para eu poder ver o pai nas estrelas?

 

- Filha, o pai morreu mas vai estar sempre no teu coração…

- Mãe, eu não o quero no meu coração. Eu quero é que ele me leve à escola…

 

Pode ser extremamente complexo explicar a uma criança o desaparecimento de um ente querido quando, até nós adultos, temos tanta dificuldade em o aceitar ou superar. Sabemos o quanto a nossa vida se altera após essa perda, o quão difícil é preencher o vazio e respirar fundo. Quando isto acontece com uma criança, ela sente-se desprotegida, insegura, sobretudo se perde o pai ou a mãe que são os seus pontos de referência, o seu porto de abrigo.

A criança (especialmente em tenra idade) não entende que a morte é irreversível. Todavia, é preciso que saiba que aquela pessoa não vai voltar. É preciso que possa chorar e partilhar a dor e a saudade, que possa falar dos seus sentimentos, que se sinta acarinhada e compreendida.

É preciso que a verdade que lhe chega não a destrua, e que seja realmente a verdade. “A mãe ainda está no hospital”, “O pai foi viajar e ainda demora a regressar”, “O avô foi para o céu”, são tudo exemplos do que não devemos dizer, sob pena de levarmos a criança a esperar o regresso da pessoa falecida ou a desejar ir ao seu encontro no céu. As crianças não devem ser excluídas deste processo para que possam aceitá-lo, percebendo que a morte é parte integrante e inevitável da vida. Só depois de iniciado o processo de luto será possível superar e aceitar a perda.

Se a criança ao longo da sua vida foi lidando com outras perdas (a morte de um animal de estimação ou de um avô), estará emocionalmente mais apta para aceitar a irreversibilidade da morte. E, sobretudo para lhe sobreviver, para poder encontrar um sentido na sua própria existência, nos dias que lhe seguirão.

 

Alexandra Vaz

 

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13.5.10

 

A morte é palavra concreta em qualquer cenário de guerra. Sendo a guerra um contexto rico em emoções negativas, são muitos os participantes que as experienciam e as carregam para o resto da vida, com mais ou menos recursos pessoais e sociais para as digerir.

Nós, que todos os dias bebemos informação de diferentes guerras que se espelham pelo globo e vemos a morte com olhos vacinados contra as emoções adversas que esta possa causar, não imaginamos o que será experienciar a morte num cenário tão violento como é a guerra.

O que sentirá um combatente que, com a arma embrenhada nos braços, vê ao mesmo tempo o seu parceiro cair por terra atingido pelo inimigo, enquanto luta pela sua sobrevivência? O que sentirá ao ver-se incapaz de acudir ao colega para evitar a sua morte, porque está sob balas? Qual a sensação de ver a morte diante de si, a escorrer por cada fio de sangue e olhá-la nos olhos de um companheiro? O que sentirá ao atingir também o seu inimigo com as mesmas balas que há instantes retiraram a vida ao seu parceiro? Ódio, vingança, culpa? Quem sabe? Embora guerreiros, diferentes emoções devem sentir quando presenciam a morte de todos os ângulos. Talvez o medo seja o sentimento que esteja sempre presente em cada olhar de guerreiro… ou talvez não… talvez a ausência de si mesmo num momento tão limite seja mais constante.

 

E como será esperar o regresso da guerra, de um filho que poderá nunca mais voltar? Que lágrimas guarda a mãe do soldado depois de tantas derramadas na incessante ansiedade de receber um sinal de vida do seu filho? Qual a consolação de um pai, ou mãe, no heroísmo da morte do seu filho, por uma causa nem sempre partilhada?

Porém, não só de combatentes se faz a guerra. Também de comunidades, repletas de homens, mulheres, crianças. Quem sabe a cor das emoções que se extravasam na alma de uma criança que estremece ao cair de uma bomba tão perto da sua casa? O que será ver os nossos familiares e vizinhos jazendo inanimados, como cenário do dia-a-dia? Que esperam estas pessoas da morte? Alívio? O mesmo medo e assombro que todos nós? Ou um modo de estar na vida? Que esperanças na vida têm estas pessoas alheias aos intuitos dos senhores da guerra?

E por fim temos estes mesmos, os senhores da guerra, que assistem do cadeirão das suas mansões, aos cenários por si montados. Com que emoções estes senhores contabilizam mortes? Indiferença? Qual será o sentimento ao deitar, perante as suas ordens diárias para os milhares de combatentes ao seu comando?

 

A morte é uma realidade física praticamente igual para qualquer ser humano. Pode variar a sua execução, mas a paragem dos sinais vitais acontece do mesmo modo. A realidade psicológica desta, varia de pessoa para pessoa, mas é com certeza extremamente diferente num cenário tão mortal como a guerra.

Aos que sobrevivem a este flagelo, o que lhes resta? Sentimentos de culpa, medos, desesperança, incapacidades. Talvez uma vontade de morrer, num assombro constante de recordações vivas desse pesadelo. Talvez uma vontade de esquecer e ser de novo, de renascer, pelos que devido à morte, já não o podem fazer.

 

Cecília Pinto

 

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Apesar de compreender o seu ponto de vista, como p...
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