Tendemos a interiorizar a ideia de que o ser humano é intrinsecamente bom, depositário à nascença de todas as virtudes e originalmente isento de defeitos. Sentimentos menos nobres decorreriam apenas de assimilações culturais, ou seriam socialmente adquiridos.
Essa idealização revela-se incompleta quando confrontada com a realidade, dificulta a compreensão e elevação dos comportamentos humanos e desresponsabiliza-nos perante os nossos actos.
A observação das outras espécies revela-nos comportamentos que consideramos nobres, acompanhados de outros que classificamos como indignos. Manifestações, entre outras, de avidez, de cobiça e de inveja, surgem lado a lado com gestos altruístas ou de abnegação. Uma observação mais atenta, permite-nos concluir que todos os comportamentos, altruístas ou egoístas, dos seres que rodeiam os humanos, se submetem a uma “lógica” egoísta de sobrevivência e perpetuação da espécie, suscitando-nos, por extrapolação, a formulação de questões angustiantes sobre o nosso próprio devir.
Tornar-nos-íamos então pessimistas absolutos e conformados, se não reparássemos que nos distinguimos das outras espécies pela capacidade que adquirimos de, criando abstracções, prever as consequências dos nossos actos, escolher um entre vários caminhos possíveis e contrariar os nossos genes.
Só lutando para que os sentimentos mais nobres prevaleçam e se afirmem por escolha própria, e não por efeito de qualquer determinismo, os poderemos considerar como verdadeiramente nobres. Só assim nos poderemos assumir como seres integralmente livres e superiores. E só assim seremos capazes de compreender e apoiar aqueles que, decorrente de qualquer incapacidade, estejam impedidos de influenciar o seu futuro.
José Quelhas Lima