22.12.11

 

“Desorganize-se! Tenha uma nova experiência de vida. Ajudamos a desorganizar-se. Contacte-nos.” Logo por baixo aparecia um número de telefone, um e-mail, uma morada.

Carolina ficou imóvel a reler tão estranho anúncio, impresso no seu jornal da manhã de sábado, habitualmente consumido com uma cevada dupla e um queque, no conforto do café, em mesa junto à montra, de onde lançava olhares esporádicos ao jardim fronteiro. Pensou ser absurdo. Absurdo, não – estúpido, é mesmo estúpido, acrescentou. Deve haver alguma ideia, alguma coisa por trás disto… Surpreendida e intrigada, Carolina esticou-se nas costas da cadeira. Toda a vida se esforçara em ser organizada, em otimizar a sua organização, em alguns aspetos tinha mesmo conseguido algum requinte organizacional. A sua casa, a sua família, o seu contributo laboral, eram claramente o resultado do seu esforço organizativo e gostava de pensar em tudo isso como um relógio em perfeito funcionamento.

Já em casa, após uma passagem pelo supermercado para as compras de sábado, o desassossegante anúncio não saía do pensamento de Carolina, provocando-lhe alguma irritação. Tinha de fazer alguma coisa! E fez. Telefonou para o número do anúncio.

A conversa, com aquele homem de voz suave e calma que transmitia tranquilidade, foi ainda mais surpreendente. Ele representava uma empresa que ajuda as pessoas a deseorganizarem-se, a sentirem a vida de forma diferente, a serem verdadeiramente felizes, como ele explicava. E como fazem esse trabalho? Fácil! Deslocam-se ao domicílio do cliente, analisam a sua vida em pormenor e entregam um plano de desorganização, para que o cliente o coloque em prática. E acompanham a aplicação do plano, dando consultoria e, eventualmente, introduzindo alterações no plano original, se a experiência revelar essa necessidade. Todo o processo está terminado ao final de trinta dias, ou seja, um mês depois o cliente está garantidamente desorganizado e feliz, ou então será reembolsado. Carolina estava paralisada. E todo aquele trabalho de análise, planificação e desorganização, até era em conta… Como não experimentar? Como provar ao idiota que criou tal empresa que tudo aquilo era completamente estúpido e impossível de concretizar? Carolina só encontrou uma resposta – contratar os serviços da “Não quero saber… – Consultores”. Nessa mesma tarde, em casa de Carolina, começou o trabalho de análise.

 

Uma semana depois, Carolina recebia o seu “PPD - Plano Pessoal de Desorganização”. Leu atentamente os seus sete pontos-chave e os detalhes pessoais que se seguiam a cada um deles: 1 – Guarde tudo pois um dia pode ser útil; 2 – Coloque qualquer coisa em qualquer lugar; 3 – Trate de tudo sempre na próxima semana; 4 – Nunca arrume - procure o que quer no meio da confusão; 5 – Use apenas a sua memória; 6 – Esteja sempre atrasada; 7 – Perca pelo menos um objeto pessoal por dia.

Ficou sem palavras, mas num impulso, o seu consultor pessoal de desorganização colocou mãos à obra.

 

Seis meses depois, Carolina sentia-se mais feliz do que nunca, sem vestígios de stress. Luís, o homem de voz suave e calma que transmitia tranquilidade, perguntou a Carolina, ao verificar o seu percurso de sucesso para a desorganização e felicidade:

- É possível viver com organização?

Carolina respondeu prontamente:

- Sim, mas não é a mesma coisa…

 

Fernando Couto

 

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15.12.11

 

Quando era pequena, adorava brincar à florista. O meu quarto tornava-se a minha loja, a minha cama era a minha bancada. Nela colocava os mais diversos recortes de flores com o maior cuidado, separadas por tipos e cores. Demorava horas a instalar a minha bancada, este era o propósito da minha brincadeira. Sentia-me dona do meu jardim, nada me escapava. Uma vez a minha bancada montada, já me sentia tão cansada que as minhas poucas vendas eram muito rápidas, só serviam “para picar o ponto” e de seguida arrumava tudo até uma próxima vez. As minhas brincadeiras acabavam sempre por adotar o mesmo esquema, estivesse eu a brincar à florista, às casinhas ou à cozinheira, espalhando flores, panelas ou roupas, adorava expor, organizar e arrumar, só pelo prazer de colocar tudo em ordem.

 

Hoje posso dizer que sou uma pessoa metódica mas já lá vai o prazer das arrumações. Tenho pouca paciência para dispor as coisas por cores ou tamanhos. Sou organizada porque não consigo viver de outra forma. Não posso dizer que sinta prazer em arrumar e muito menos em limpar; tornou-se um mal necessário, talvez porque o “fazer de conta” deu lugar ao “ter que ser”. A minha finalidade deixou de ser a viagem mas sim o destino, de preferência rápido, para poder fazer mais coisas, para cumular mais tarefas. Quando era pequena, brincava às arrumações porque tinha tempo, agora, faço arrumações para não perder mais tempo. Detesto procurar algo que não encontro simplesmente porque não estava arrumado. Cada segundo que perco a procurar faz nascer em mim uma fúria descomunal, prefiro mil vezes despender tempo em organizar do que em procurar aquilo que perdi; parece-me mais compensatório.

Mesmo assim, há alturas da minha vida em que o meu quarto parece um campo de batalha ou o cesto da roupa suja ameaça explodir. Há dias em que não faço nada, deixo para o dia seguinte, que vem a seguir ao seguinte. São geralmente fases que não duram muito tempo. Deixo-as vir e ir. Aos poucos, consigo recuperar alguma energia e alguma ordem na minha vida, que coincide geralmente com alguma ordem na minha cabeça. Quando tudo fica arrumado, volto a sentir-me mais segura, mais ativa e divirto-me a pensar que assim controlo melhor a minha vida.

 

Estefânia Sousa

 

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12.12.11

 

Abro a mala. Está completamente desorganizada. Peças espalhadas, misturadas entre si, numa confusão que revela o meu desleixo. Não me apetece organizar. Aliás, não me apetece. Nada! Sinto-me um caos. Olho em redor e todo o mundo parece estilhaçado. A vontade de fechar os olhos e assim permanecer, é forte em mim.

Olho-me ao espelho. Deixei-me cair nesta trapalhada. Quantas vezes a vontade de fechar os olhos, na esperança que ao abrir tudo está no seu devido lugar. Tudo está correto. Tudo está no sítio. Tudo faz sentido!

Porém, o desalento instala-se. A vontade de me organizar é nula. Quero esquecer, ou melhor, quero avançar para o futuro sem passar pelo processo intermédio. O da organização. Mental! Estalar os dedos e… voilá!

Mas não dá! Estou presa neste vício de olhar para o lado. Ignorar o caos que me rodeia, que não é mais do que um reflexo de mim. Dos meus estilhaços interiores.

 

Quem é que, em algum momento da vida, não se sentiu assim?

 

Cecília Pinto

 

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8.12.11

 

18:16.

Ok, ainda tenho tempo.

Deixa-me lá lembrar onde pus a receita para a farmácia…

 “Fogo! Que gajo doido! Passou-me cá uma tangente!” Há cada vez mais malucos na estrada. Ok, eu não sou muito melhor...

Se bem me lembro, acho que enfiei a receita naquele monte de papéis que andam na carteira há semanas. Tenho mesmo de fazer uma limpeza àquilo. Já não sei o que tenho p’ra lá. Não faz mal, quando estacionar, procuro.

Se tiver tempo, ainda passo no supermercado. Do que é que eu preciso mesmo?! Leite… água… sumos… raios! Falta-me mais qualquer coisa. Não faz mal… quando chegar lá, tento lembrar-me.

“Oh pá! Desliga-me esses máximos!” Outro maluco.

Amanhã, quando chegar ao trabalho não me posso esquecer de enviar aquele mail. Já o devia ter enviado. Como é que pude esquecer-me?! “E o trânsito que não anda!...” A culpa é minha, devia ter saído mais cedo. E o mais estúpido é que podia tê-lo feito, mas pus-me na conversa…

Por este andar, já não vou poder ir ao supermercado! Será que falta algo para o jantar? A propósito: O que vou eu fazer para o jantar? O que há no congelador? Devia ter encomendado carne no talho… Não faz mal, quando chegar a casa vejo o que há e desenrasco qualquer coisa.

Ei… é verdade, lembrei-me agora que não deixei comida para a cadela. Será que ela ainda tinha comida na tigela? E água? Raios! Que cabeça a minha!

Espero que a caldeira hoje funcione. Ontem foi lindo, sem água quente. Esqueci-me de lembrar o João para telefonar ao técnico. Será que ele se lembrou? Por falar nisso, hoje não lhe liguei durante o dia. Espero que ele não tenha ficado chateado comigo. Não faz mal, logo dou-lhe mais miminhos para compensar.

 “Que música irritante!” Mais vale ir de rádio desligado.

 

18:35.

Boa! Já estou atrasada. Era bom que houvesse um lugar para estacionar.

”Vá lá! Saia da frente!” Que mania desta gente, parece que estão aqui a morrer na estrada. Se não têm pressa que vão a pé!

Ok carrinho, vais ficar mesmo aqui. A polícia não deve aparecer hoje.

Receita, receita, onde estás tu? Tanto papel que eu tenho p’raqui. Boa! Ainda tenho rifas para o sorteio do Natal do ano passado. Tenho mesmo de limpar isto. Ah ah! Aqui estás!

Pronto… tinha de começar a chover agora!

Eu tinha um guarda-chuva… Eh… deixei-o ontem na casa da minha mãe. Por falar nisso, não me posso esquecer que os convidei para almoçar lá em casa no dia… ah sim, dia 11. Isso é de aqui a quanto tempo? Hoje são… 7. Raios, é já no próximo domingo. Que vou eu fazer para o almoço? Tenho de pensar numa receita fixe e que não seja muito complicada. Amanhã, no trabalho, quando vier da reunião vou um bocadinho à net para me inspirar. Por falar nisso, ainda não preparei os pontos para a reunião. Penso nisso logo, enquanto estiver a fazer o jantar.

Pronto, vou sem guarda-chuva. Que se lixe! O chato é que estou a ver que já não tenho tempo de ir ao supermercado.

 

- Desculpa filhote. A aula já acabou há muito? A mãe atrasou-se…

- Não faz mal mamã. Já estou habituado…

 

Teresa Moura (articulista convidada)


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