Foto: Sunrise - Martyn Cook
Estava um dia cinzento e chuvoso de outono. Sentei-me na esplanada coberta a apreciar o mar agitado.
“- O mar hoje está bonito! Várias tonalidades cinzentas e uma espuma alva borbulhante… Gosto do mar assim, revolto!” Diz-me com um sorriso entusiasmado.
Reparo que a voz vem do homem elegante sentado na mesa vizinha. Ao seu lado aninhado no chão, um cão-guia observa languidamente o tempo que passa.
Perante a minha reação estupefacta, ri-se: “- Ah ah ah! Deve achar estranho um cego como eu, estar a falar-lhe das cores do mar!”
“- Desculpe, não tinha reparado que é invisual. E surpreendeu-me o seu comentário quando o percebi.”
Continuámos a conversar até anoitecer e aprendi que não se É deficiente, ESTÁ-SE deficiente. Relatou que de certo modo todos somos deficientes em alguma função ou caraterística, quer do nosso corpo, quer da nossa vida nos seus variados contextos. Partilhou a sua opinião comigo, que a sociedade tem necessidade de catalogar as deficiências mais óbvias para as poder colmatar de alguma forma, integrando os cidadãos com essas deficiências.
Percebi que toda a pessoa é muito mais do que a sua deficiência ou limitação. Quando há uma limitação física, psicológica ou social, a pessoa tenta superar-se, exceder-se nas competências de que dispõe, como forma de mostrar a si e aos outros que também é capaz, que também está ativamente integrado na sociedade. Quando um dos órgãos dos sentidos está em falta, todos os outros se tornam mais apurados e desenvolvidos.
Tal como a vida é efémera, o estar saudável e ser considerado normal sem deficiências é efémero. Talvez se cada cidadão tivesse a consciência de que a sua “normalidade” não passa de um estado efémero, se tornasse mais disponível para compreender e tolerar as diferenças. Por doença, acidente, ou infortúnio, qualquer um de nós está vulnerável a uma alteração e perda das suas capacidades, da sua vida rotineira, normalizada. Como este meu novo amigo, companheiro de contemplação do mar e das suas tonalidades, num acidente de viação que lhe retirou a visão, mas o tornou ainda melhor observador do mundo à sua volta e mais além. Só é cego quem não quer ver!
Tayhta Visinho