5.7.14

 

Começas a tua viagem na adolescência, quando te dizem que és mulher, porque menstruaste pela primeira vez. Sentes as primeiras dores menstruais e tudo é normal, até que um dia começas a queixar-te um pouco mais da Dor e do enorme fluxo que não tem maneira de parar. “É normal”, ouves o médico de família dizer e segues o teu caminho. Os anos vão passando e a Dor, o desconforto naquela altura do mês vai aumentando. Continuas com as tuas queixas ao médico de família que te passa para o planeamento de família e ouves “é normal, vai passar com a idade” e continuas à espera que passe. Chegas à idade adulta e as dores começam a intensificar. Procuras um médico, depois outro e outro… a resposta mantém-se “é normal”. E pensas “serei eu anormal?” “estas dores são da minha cabeça?”. Ficas confusa. Tanta é a dor que sentes que já não és capaz de estudar nem trabalhar. Faltas à escola, ao trabalho e aos encontros sociais. Durante, em média, 3 a 8 dias por mês ficas na cama a gritar com dores, a contorcer- te. Não tens posição confortável, apenas sentes dor, mal-estar, enjoos. Não consegues comer, dormir e ir ao wc é tortura. A tua família parece desesperada por te ver assim e questiona-se com o que está a acontecer. Os teus amigos não te compreendem, porque pareces normal e te queixas de uma tal dor que ninguém nunca viu nem ouviu falar. Todos te dão conselhos “faz caminhadas”, “toma analgésicos”, “não penses nisso”, “todas as mulheres têm dores menstruais”, “quando tiveres um filho isso passa”. É que ninguém percebe que as tuas pernas não te obedecem para andar, que o teu corpo sente dor, cansaço imenso e que já não consegues pensar a não ser “Serei normal? O que se passa comigo?” E começas a sofrer em silêncio, porque mais ninguém compreende a tua dor.

Continuas a visitar médicos e cada um com uma explicação diferente vai-te deixando com a tua dor. A tua saúde parece estar debilitada, tens problemas nos rins, nos intestinos e vais fazendo um tratamento aqui, outro ali. Desespero? Sim, sentes-te desesperada! A tua vida fica condicionada à tua dor. Os teus superiores não entendem porque fazes tantas pausas no trabalho, porque faltas tantas vezes. As relações amorosas confortam-te, até ao dia em que começas a sentir vergonha da tua dor, em que não consegues acompanhar o teu namorado nos passeios, nos compromissos, quando a relação sexual começa a ser de tal forma dolorosa que a evitas. O teu papel como mulher, como companheira, fica comprometido. Desesperança? Sim, desesperança de ter uma vida normal, sem dor. A tua vida passou a ser controlada e programada em função da dor.

Após 8, 10, 12 anos de dor, martírio, sofrimento, confusão, perdas, um médico diz-te que és portadora de Endometriose e aqui começa uma nova viagem na tua vida.

A Endometriose faz parte de ti, os médicos não sabem a sua origem e também não existe uma cura. Dizem-te que é crónico e que apenas podes ter tratamento que te alivie um pouco a dor. Mas ainda não sabes por tudo o que tens de passar. A incerteza é uma constante na tua vida. A explicação aos outros sobre a tua doença é tarefa difícil, porque nunca ouviram falar. Os exames constantes e invasivos a que estás sujeita, os resultados que nunca sabes o que trarão consigo, e tudo é imprevisível. O medo? Sim, o medo dos resultados dizerem que precisas de nova cirurgia, o medo dos resultados dizerem que mais uma parte de ti está afetada, o medo de te dizerem que afinal terás que retirar um ovário, os dois, o útero, e sabes lá mais o quê, o medo de seres infértil, o medo, o medo. Sempre o medo de mãos dadas com a dor. O sonho de ser mãe, pode cair por terra, a dificuldade ou impossibilidade de engravidar é alta, mais uma vez, não sabes. Então, além do papel de mulher, também o papel de mãe ficou comprometido.

Dor sem cessar, procedimentos médicos a toda a hora, órgãos afetados, doenças associadas, relações desfeitas, incompreensão, desgaste emocional e físico, sonhos que ficaram por realizar, é assim a tua vida, portadora de Endometriose! Sim, mas uma portadora de Endometriose é uma mulher maravilhosa, uma lutadora, uma guerreira e vencedora! Pois, após anos de sofrimento físico e emocional, és capaz de pegar no que de melhor existe em ti e fazer disso o teu sucesso de vida! E porque hoje existem especialistas de todo o género (desde a medicina convencional à não convencional, a psicologia, abordagens de outros tipos), tens ao teu alcance um sem fim de recursos para tornar a tua vida numa vida melhor, com muita qualidade e felicidade.

 

Vera Freitas

 

Artigo publicado no âmbito do Acordo de Cooperação entre o blogue Mil Razões… e a MulherEndo.

 

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