17.12.14

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Por vezes sinto-me só. Não devia, porque não estou, mas sinto-me. É um tipo de solidão com requintes snobes de superioridade, porque estou convencido de que ninguém me compreende. Sou arrogante e egoísta, por vezes até mal-educado: ninguém me entende, mesmo. E isso irrita-me.

No princípio julguei que bastava expressar-me com silêncios densos e expressões impercetíveis de olhar, para comunicar com clareza os meus desapontamentos perante esta ou aquela situação. Pensei que as pessoas me liam facilmente, dado que aquilo que me ia por dentro era muito intenso. Mas por uma questão de ética ou de respeito (ou de medo), não me atrevia a traduzir por palavras aquilo que me fervia no sangue. E por isso concentrava no olhar toda a revolta e toda a tristeza, lançando sobre os meus ofensores toda uma pesada energia de nada. Sim, de nada, porque o olhar era vazio, dum vazio que de tão vazio tinha que ser entendido como carregado de significado, que faria as pessoas recuarem. Mas não, era só um olhar parvo.

Foi então que mudei de estratégia. Mantive a mesma revolta e o mesmo olhar, mas adicionei-me uma válvula de escape controlado, socialmente apropriada. Este artefacto permitia-me devolver aos meus ofensores um pouco do veneno que chapinavam em redor, colocando-lhes perguntas cirúrgicas acerca do que acabaram de dizer ou fazer. Assim, teriam que estacar um pouco, refletir (se aplicável), manter-se um tempinho mais na situação hostil que estavam a patrocinar e reformular o que disseram ou fizeram (se o efeito da válvula surtisse efeito). Esta reformulação estaria implicitamente acompanhada de arrependimento, o que para mim era o objetivo essencial.

À medida que fui amadurecendo foi-me faltando a paciência para ser sempre socialmente correto, pelo que fui gradualmente substituindo as perguntas de veludo, primeiro por respostas contundentes e, mais tarde, por sarcasmos ácidos. E aqui apercebi-me de que tinha esgravatado o fundo da solidão, porque corria toda a gente a ironia e sarcasmo, não poupando ninguém, nem quem estava genuinamente a meu lado de alma e coração.

Constatar que se está só no mundo porque o mundo é parvo, é duro. Mas constatar que se está só no mundo porque se é parvo, é bem pior. Mas foi isto que aconteceu. Demorei anos a perceber que estar em permanente oposição com os outros é demasiado cansativo e não me traz nada de útil. Muito pelo contrário, foi um buraco que fui escavando, escavando, sem nenhum propósito realista a não ser o de alimentar a ilusão de ter o meu orgulho intacto. As coisas que se fazem por orgulho!

Daí a mudar para uma postura de compreensão honesta das pessoas foi um salto de pardal. Hoje entendo que o mundo é composto de diferenças, a maior parte delas bem diferentes das minhas, por azar. Entendo até que tem gente que não sabe expressar adequadamente aquilo que sente e que por isso pode, sem querer, magoar alguém. E entendo ainda que eu próprio possa não saber, sempre e a toda a hora, a melhor maneira de me expressar junto dos outros. Entendo tudo tão bem mas continuo a sentir-me tão só.

 

Joel Cunha

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 07:00  Comentar

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