Foto: Girl – Tania Van den Berghen
Chegámos cedo para arranjar lugar de estacionamento e lugares sentados. Não fomos os únicos previdentes pois, muito antes da hora marcada, já reinava grande confusão. O portão de ferro, aberto de par em par, dava acesso a uma Alameda de plátanos tão podados e desramados que não se faziam notar, nem tinham qualquer serventia a quem quisesse usufruir da frescura de uma sombra.
O clique das máquinas fotográficas já se fazia ouvir. Junto aos buxos e às azáleas que ainda resistiam e se recusavam a dar a vez aos agapantos, ou a outro arbusto que compusesse uma fotografia, raparigas de vestidos justos a mostrarem corpos balofos e descuidados, punham-se em pose curvilínea, ou muito direitas com uma perna fletida ligeiramente à frente da outra. Mãos na cintura, costas voltadas e cabeça a pender para trás com olhar de felina provocadora, pediam para serem imortalizadas numa fotografia. Trocavam de perna e fletiam a outra. Passavam os dedos nos cabelos contrariando o movimento natural, desgrenhadas e selvagens, estavam prontas para mais um registo e ouvia-se mais um clique.
O toque do sino deu início à cerimónia.
Entrámos na igreja e já o padre se dirigia às crianças vestidas de branco com os cabelos a descerem em cachos acentuados com pérolas e laçarotes, carinhas de anjo que ocupavam as primeiras filas com a solenidade que o momento pedia.
Atrás de mim um jovem conversava com o pai – o grau de parentesco é da minha imaginação. Manifestava-se indignado por alguém que eu não ouvi o nome, não estar ali com eles. E ganhava créditos aos olhos do progenitor lembrando-lhe que quase não dormiu porque a festa durou até tarde, mas a ocasião exigia que todos estivessem presentes. Os telemóveis tocavam e as pessoas não se acanhavam de os atender e de darem informações sobre a sua localização dentro da igreja para que, quem ligava, se juntasse a elas.
A cerimónia era longa e os mais pequenos começavam a dar sinais de impaciência, gritavam e pediam colo, ou pediam chão os que estavam ao colo. Havia muito movimento na entrada da igreja. As pessoas saiam e entravam, pediam licença, um jeitinho ou um empurrão disfarçado com um sorriso, mas não paravam. Não sei as razões que as levavam a esse perpétuo movimento, mas podia jurar que entrando e saindo se mostravam. Mostravam modelitos coloridos e floridos, transparências, carnes com pouco tecido e panos a arrastar e a exigir agilidade para não tropeçar nos tacões de agulha. Mostravam tranças apertadas ou lassas, madeixas soltas a dar um ar de liberdade e naturalidade aos cabelos que só assim se mantinham por estarem espargidos de laca. Lá à frente, o padre continuava a esforçar-se para manter os catequizados interessados e incutir nos adultos a responsabilidade de ajudar aquelas crianças a viverem sem perder de vista os preceitos católicos.
Finda a cerimónia, nova sessão de fotografias, agora com os catequizados a quem eram entregues pequenas lembranças para imortalizar um dia assim tão importante.
Era a hora de continuar a celebrar, mas num almoço tão abastado que o futuro nunca apague.
O dia findou e eu perguntei-me quantos dos que ali estiveram saberiam o que de verdade aconteceu. O investimento pessoal e a felicidade que os rostos irradiavam davam sentido à cerimónia, o sentido de cada um. E chegou a altura de dizer, para não ficar mal no retrato, que cada um dá o sentido que quer e vive as coisas conforme bem entende. As razões de cada um não são aqui discutíveis e também não serão as minhas que vejo na primeira comunhão a alegria interiorizada da primeira eucaristia e a reunião em e com Cristo Nosso Senhor.
Menos que isto, para mim é vaidade, futilidade, pesadelo.
Cidália Carvalho