Sempre ocupada, de um lado para o outro. Às vezes parecia que fazia o trabalho de uma pensão quando, no fundo, era só uma casa. Uma simples casa. Mas a imperfeição não morava ali. Ele sempre suspeitara que, no meio dessa perfeição, não estava em causa o sujo ou o limpo. O organizado e o desorganizado. Havia mais. Uma obsessão. Um controlo sobre o caos. Às vezes entristecia-se porque as coisas lhe tomavam mais valor do que ele próprio. Pelo menos parecia. Outras vezes nem queria saber. Deixava para lá. Mas desde que crescera percebera que não havia espaço como houvera na infância. Esse espaço fora ocupado pela perfeição. Pelo “não tenho tempo”. Por aquela obsessão do “tem de ser feito”.
- Passas a vida preocupada com limpar e arrumar. Não podes relaxar um pouco?
- As coisas não aparecem feitas!
- Não te digo para deixares de fazer. Digo para não deixares de fazer o resto por causa disso.
- Que resto?
- Olha, sentar-te um pouco. Ter uma conversa na varanda. Sei lá! Darmos um passeio. Há tanto tempo que não damos um passeio. Lembras-te de quando eu era pequeno e íamos todos ao parque dos baloiços?
- Eu tenho lá tempo para passeios!! Isso era quando eras pequeno!
- O que mudou?
- Vais dizer que ainda gostas de baloiços?
- Gosto. Mas não é essa a questão. Era a celebração. A alegria.
- E o que queres celebrar?
- Não sei, mãe. Que tal a vida?
- Oh, lá vens tu com essas conversas e eu tenho mais que fazer!
- Mais que fazer do que celebrar a vida?
- Tu sabes o que quero dizer!
- Queres ajuda?
- Não, não. Eu faço sozinha.
- Mas se te ajudar tens mais tempo, não?
- Eu gosto de fazer as coisas à minha maneira, do meu jeito. Tu não saberias fazê-lo.
- Porque não me ensinas?
- Olha, deixa estar. Vai dar uma volta.
- Só não vens porque, na verdade, não queres, mãe. Parece que só isto te dá prazer. Mas nunca te vejo com um sorriso na cara.
- Tenho muito que fazer. Já sabes, meu filho. Não insistas.
- Sim, já sei. Eu vou. Por agora vou sem ti. Pode ser que, da próxima vez, nos juntemos finalmente num passeio por aí, como nos tempos passados.
- Sim, meu filho, pode ser. Não me leves a mal.
- Não, mãe. Mas tenho pena que te faças crer que é isto que te basta. Ter a casa arrumada. Como se a vida fosse, assim, uma prateleira de exibição.
Saiu. Olhou a casa, impecável. Sentiu-se triste, embora conformado.
Ainda estava ela a verificar se as cortinas estavam corridas, a campainha soa, destoando do silêncio da casa.
- Será que o rapaz se esqueceu das chaves? Que estranho.
Abriu a porta. Duas figuras da autoridade aguardavam.
- Sim? Boa noite.
- Boa noite. É a senhora Margarida?
- Sim, sou eu. Qual é o assunto?
- Lamentamos informar, mas houve um acidente com o seu filho.
- Um acidente? Como assim? Estremeceu por dentro, não acreditando no que lhe diziam.
- Infelizmente foi um acidente muito grave. Lamento muito dar-lhe esta notícia, mas o seu filho não resistiu aos ferimentos. Lamento muito.
Nessa noite, a casa foi caos. Não havia mais agora. Muito menos, próxima vez.
Cecília Pinto