Todos temos, mais cedo ou mais tarde, de enveredar pelo mundo do trabalho. Todos temos, mais cedo ou mais tarde, a noção do que queremos exercer como ocupação de vida. Nem sempre de um modo confiante na escolha. Às vezes, somos empurrados para uma ocupação por interesses alheios, por falta de oportunidades, pelas circunstâncias. Seja cantar, seja entreter público, seja a gerir, seja a tratar ou cuidar, enfim, seja a fazer uma das milhentas atividades de que o mundo carece.
Num mercado de trabalho sem imaginação nenhuma, muito aquém das oportunidades para as mais variadas áreas necessárias a uma sociedade equilibrada, realizar-se numa profissão é algo raro, digamos. Trabalhamos, sim. Mas, não significa que sejamos o melhor que podíamos ser. Até porque as nossas melhores capacidades ou competências não são exigidas ou necessárias, para aquele tipo de trabalho em que estamos inseridos, e apenas realizamos o trabalho no melhor que conseguimos. Claro está, não na melhor performance exigida (não posso ser o melhor jogador do mundo se não tenho a melhor coordenação motora, mas posso jogar). Não acredito é que vá desenvolver a maior motivação para a melhor performance, até porque não acredito que as minhas melhores competências estejam a ser usadas e rentabilizadas. Posso, contudo, trabalhar. Aprender, caso não tenha nenhum défice acentuado. E posso, também, ter o maior profissionalismo no que faço. Porém, isso tem já mais a ver com a minha formação de base do que com a técnica da atividade.
Para quem não está no mesmo local de trabalho, nem executa a mesma profissão, desde sempre e para sempre, sabe que profissionalismo nada tem a ver com técnica. Sabe que, num primeiro momento, um determinado trabalho parece uma coisa do outro mundo e transforma-se em algo banal passado pouco tempo. Sabe que para aprender basta querer e dedicar-se. E para fazer, basta empenho e vontade de executar corretamente aquilo para que se é pago. Às vezes, até se faz muito mais para o que se é pago e pelo quanto se é pago. No entanto, quem passa por diferentes profissões, ou melhor, trabalhos, também sabe que há muitos aspetos que contribuem para uma insatisfação laboral. E um dos principais, para além de não se identificar com a causa da empresa ou instituição, é a política de liderança da empresa. Acho que muitos de nós andamos a ocupar-nos com algo que não rentabiliza as nossas potencialidades. E muitos realizam ocupações que não espelham minimamente as suas competências. Quando chefes, pensam ter capacidade de liderança, mas não há nada nas suas ações que o demonstre, é fácil perceber como é que uma equipa de trabalho não consegue estar motivada a desempenhar funções. Sim, porque é engraçado observar, por vezes, como pequenas alterações nos cargos de chefia podem fazer milagres na produtividade das pessoas, de uma empresa. Como, por vezes, alterações em elementos de uma equipa podem ter o mesmo resultado. Basicamente, retirar de uma organização pessoas que não têm as competências para o cargo. E nem se interessam em ter. Para não falar que esse “nem se interessam em ter”, já por isso só indica algo tão básico como falta de profissionalismo. Isto porque profissionais e profissionalismo nem sempre andam de mãos dadas.
Acredito mesmo que há espaço para todas as profissões do mundo, como há espaço para o desenvolvimento da nossa vocação. Se nos conhecermos, sabemos perfeitamente o que nos dá gosto fazer e o que não dá. O que temos facilidade em executar. Aquilo com que realmente nos identificamos. Continuo a acreditar que devemos fazer o que estamos vocacionados para fazer. Uns podem chamar a isso a missão da sua vida, outros a paixão, outros a causa. Fazer o que nos faz sentido, nem sempre significa exercer um rótulo, chamado profissão de x ou y. Significa antes, que desenvolvemos competências em determinada área, para a qual nos formamos ou aprendemos das mais diversas maneiras. Mas mais do que essa formação, fazer algo para o qual temos talento. E o talento não se treina. Vai-se adquirindo ao longo da vida pelas mais variadas experiências. Chamemos-lhe aptidão. Uma facilidade natural para fazer determinada tarefa.
Se o que fazemos como profissão fosse sinónimo da nossa marca, aposto que muitos de nós não se reconheceria no espelho, mesmo que lá estivesse escrito o nosso nome. Por isso somos muito mais do que fazemos num local de trabalho. Eu exerço esta profissão. Não sou esta profissão. Até porque se mudar de emprego não deixo de ser eu. Mas um facto é que a profissão nos retira muito tempo diário. Até ao ponto de nos confundirmos com esta.
Nunca me imaginei a trabalhar no mesmo sítio por 40 anos. Só de imaginar sinto-me sufocada. Mas isso sou eu. Porque me conheço. Haverá muita gente a não se imaginar a mudar de profissão ou de local de trabalho. Mas, tal como me alicia ter novos projetos, também me alicia fazer algo que me motive, que me faça sentido. É-me difícil imaginar o porquê de tantas pessoas presas a empresas ou atividades, completamente desmotivadas, e nem sequer ponderarem uma mudança. Porque às vezes essas pessoas nem razões ligadas “à corda ao pescoço” têm. O que torna essa condição ainda mais confusa. É mais um medo que ata mãos e, consequentemente, vocações. E, consequentemente, sonhos. E, consequentemente, equilíbrio emocional. Nem sequer pensar em mudança já é, para mim, um aniquilar do próprio reconhecimento das nossas capacidades e potencialidades. Um aniquilar do nosso próprio sentido. Um limitar-nos. Porque é óbvio que se tem de começar por algum lado. Também precisamos de dinheiro para gerirmos o nosso quotidiano. Para ganhar dinheiro temos várias hipóteses de trabalho. Claro, com variações nos montantes finais. Mas querer continuar num certo trabalho implica, no mínimo, envolvimento. E isso não é nada estimulado hoje em dia. Não admira pois que muitos entrem em combustão cerebral, seja pelo esgotmento, seja pela desmotivação, seja por desencantamento. E como nem todos podem mandar um trabalho/emprego à fava, e outros tantos nem se atrevem a fazê-lo por medo do que há de vir, pactua-se com um mundo em que andam todos ao contrário, ou deslocados dos próprios talentos. A dedicar a maior parte do tempo de vida a locais e profissões que têm tudo a ver com tudo, menos consigo próprios. E ocupados a desenvolver o mediano que há em si.
Cecília Pinto