Foto: Dream - 366308
Há uns anos atrás, nem eu gosto de pensar quantos, a nossa televisão e, naquele tempo, a nossa vida foram invadidas por uma telenovela épica, de seu nome Tieta. Épica porque, como na altura (pasmem-se!) passava apenas uma novela de cada vez, todas as atenções estavam voltadas para o desenrolar daquela história passada na cidade fictícia de Santana do Agreste, sobre a exuberante Tieta. Para além da protagonista e de todas as outras personagens marcantes pela beleza e pelo desempenho, nessa trama existia uma personagem muito engraçada e carismática chamada Dona Milú (interpretação de Miriam Pires), que juntamente com a sua filha Carmosina, abria as cartas chegadas para os habitantes da cidade, com a ajuda do bico da chaleira da água a ferver. Esta personagem tinha uma expressão deliciosa, que ficou na lembrança de muita gente: olhava fixa para o ecrã e dizia “Mistéeeerio”. Só de recordar essa expressão, sorrio. De entre aventuras e desventuras, havia dois grandes mistérios a resolver na história, o que será que Perpétua (irmã de Tieta) guardava tão carinhosamente numa caixa, e quem seria a “Mulher de Branco”, que atacava os homens na calada da noite? Como seria de esperar, esses mistérios foram arrastados até ao fim da história: descobriu-se quem era mulher de branco, uma respeitável senhora da sociedade santanense, diga-se, e quanto à famosa caixa, nunca foi revelado ao público o que continha, mas ficou no ar uma divertida hipótese do que seria (para quem não viu esta novela: diz-se que o que estava guardado na caixa seria o órgão genital do falecido marido...).
Tal como nesta história da Tieta, na vida existem mistérios maus e mistérios bons. Os mistérios maus são acontecimentos ruins e catastróficos que nunca foram resolvidos: assassinatos, desaparecimentos de pessoas, quedas de aviões, navios naufragados… Não gosto mesmo nada! Arrepiam-me e incomodam-me. Por isso, gosto de séries e filmes policiais e de investigação, porque invariavelmente no final se dissolve o mistério e quando isso não acontece num episódio significa que a história continua no próximo. E quem nunca se deliciou com o traquejo de Hercule Poirot, com o seu sotaque francês e métodos sui generis, ou com a fabulosa Miss Fisher?
Mistérios bons, para mim, são aqueles que não têm uma explicação lógica e que por isso são tão interessantes e encantadores. Haverá delícia melhor do que o mistério chamado Amor? Qual a ciência ou razão lógica que aproxima duas pessoas, dois corpos? Como é possível que duas pessoas saibam através de um olhar que estão destinadas uma para a outra? Sente-se, pronto! É essa a beleza do amor e de todos os sentimentos que nos comprazem.
E refletindo sobre o mistério da vida… Como será que tudo começou realmente? Adão e Eva, ou desenvolvimento de espécies? Será que me interessa realmente essa reflexão? Nem por isso… estou cá, nasci, cresci, vivo. Quem fala do mistério da vida, fala dos mistérios de Deus. Será que é apenas uma ideia que o Homem foi desenhando à sua imagem? Será que os eventos narrados na Bíblia aconteceram mesmo? O Mar Vermelho abriu-se mesmo para Moisés? Jesus multiplicou mesmo os peixes? Transformou mesmo a água em vinho nas bodas de Canaã? Ou será que, no fim das contas, tudo não passa de uma mistura de eventos e conveniências por parte dos líderes religiosos? E no fundo, para que me interessa essa explicação lógica, essa certeza, se me sinto em paz e acolhida, parte de algo, quando assisto a uma missa com os meus padres de eleição, quando entro numa Igreja e aprecio as imagens dos santos, quando olho com carinho para o meu São José? São mistérios que aprecio e me alimentam a alma. Dizem os entendidos que são mistérios da Fé.
Para além destes mistérios, bons e maus que abordo e exemplifico, gosto muito, mas mesmo muito daqueles mistérios que nos permitem dar largas à imaginação: cá, entre nós, o que será que estava realmente guardado naquela caixa de papelão da viúva Perpétua? Mistéeeerio!!!
Ana Bessa Martins