Foto: People - Leroy Skalstad
- Dá-me lá um cigarrinho! Dás-me um cigarrinho, amigo?
Subitamente desperto de um lânguido torpor. Levanto os olhos da cerveja e sou atingido por um olhar profundo e vibrante. Uns brilhantes olhos negros fitam-me expetantes pela minha resposta. Estendo-lhe o maço e o isqueiro e convido-o a sentar-se comigo na esplanada. Senta-se e com um sorriso deleita-se a saborear a cerveja e o cachorro quente que entretanto lhe serviram.
- Sabes, amigo, eu estava ali a observar-te há mais de uma hora e percebi que és um bacano. Tens a inquietação dentro de ti, o mundo corrói-te as entranhas, mas mesmo assim, insistes em fazer a diferença, em o mudar. E aqui estou eu sentado na mesma mesa que tu, sem dinheiro e a banquetear-me à tua custa!
As rugas na pele escurecida pelo relento, acentuam-se e sorriem genuinamente.
- São muitas dezenas de anos a observar as pessoas. Vejo-as passar por mim, a desviarem-se, a ignorarem-me… através dos seus rostos sisudos vejo-as por dentro, as suas angústias, os seus medos, as suas alegrias e ambições… Sempre vivi na rua e observar o mundo, observar as pessoas, posso dizer que é o meu trabalho!
Estivemos horas a fio a conversar sobre o estado do mundo, sobre a alienação humana. Descobri um homem que mal sabe ler e escrever, dotado de uma sabedoria imensa, um iluminado. O conhecimento acumulado de anos de estudo dificilmente atingiria este saber. O conhecimento é um amontoado de informações, é racional e sem vida. São as emoções que, articuladas com os conhecimentos, lhes dão vida. Conhecer este erudito sem-abrigo, cidadão do mundo, tornou claro para mim que sabedoria é a experiência adquirida ao longo de uma vida vivida em pleno, rica em emoções, conhecimento e sensibilidade.
Tayhta Visinho