17.12.18

Alms - Vannino.jpg

Foto: Alms - Vannino

 

Facebook e quejandos despejam constantemente no correio eletrónico, murais e páginas de Internet, frases sucintas e assertivas carregadas de ensinamentos e moralidade sobre como devemos ser e fazer para praticarmos solidariedade. Empacotam também a recompensa. Em alguns casos vem como uma promessa de felicidade, noutros, como ameaça – se não formos solidários o mais certo é que, quando precisarmos, os outros não sejam solidários connosco. Está tudo lá nessas frases de poucas palavras; o que aqui possa escrever nada acrescenta de diferente.

E quem de nós nunca deu uma moedinha, participou em campanhas de solidariedade, visitou doentes e pessoas solitárias, ouviu com compreensão quem se lhe quis confiar, pondo assim em prática os ensinamentos que recebemos em casa, no grupo de amigos, na escola, no dia-a-dia em convivência com os outros seres da sociedade? No final, vem o proveito da contabilização de mais um crédito na conta corrente do dar e receber. Em certas circunstâncias o gozo de dar é tal que o difícil é distinguir quem recebe de quem?

 

Naturalmente valorizo a solidariedade e as ações de sensibilização. E, como não valorizar e atribuir-lhe importância se são exemplos de boa conduta, consciencialização da miséria e das diferenças sociais, resolvidas tantas vezes com a solidariedade alheia?! Num quadro de desumanização para onde parece que caminhamos, a sensibilização tem, sem dúvida, um papel importante na inversão das forças desumanizantes.

Mas quantos de nós já reconhecemos e colocamos esperança no silêncio dos desistentes? Vimos e acudimos ao olhar suplicante dos desesperados? Compreendemos a fraqueza e ajudamos a reforçar os que, de tanto lutarem, se esgotaram, aceitaram e aprenderam a viver com outras verdades que não a sua? Muitos pensarão que nunca se cruzaram com alguém assim tão desesperado, atormentado, e eu sinto-me tentada a concordar.

 

Vale a pena refletir sobre o solidário. Socorro-me de um dos casos que nos chegam nas redes sociais e que, conforme já referi, abundam. Por uma vez ponhamos de lado a mensagem final e fixemo-nos apenas no facto. Um menino com ar abandonado, a quem não conseguimos colar-lhe uma família, uma mãe que zele pela sua higiene, saúde e bem-estar, recebe de alguém um agrado, uma esmola ou algo que o faz sentir-se melhor. Já vi várias versões: num caso apagam-lhe a fome, noutro dão-lhe umas moedas, e ainda noutro sentam-se ao seu lado e colocam-lhe um braço por cima do ombro num afeto que, claramente o menino não conhece, mas que o faz sentir-se muito bem. Passados 20 anos tem oportunidade de retribuir o que recebeu porque a vida se revelou mãe para ele e madrasta para quem o ajudou. Tenho para mim, e quero manter esta crença porque é aí que reside o verdadeiro valor da solidariedade, que quem deu ao menino a atenção que todo o ser humano precisa e merece não o fez a pensar que no futuro também poderia precisar desse gesto solidário; fê-lo porque sim, porque dar é uma caraterística voluntária de quem é gente. A solidariedade faz-se sem querer vender ou trocar, não é um ato que fica suspenso a aguardar retribuição futura. O solidário não tem em conta nem faz contas ao que dá, também não sofre com a falta de reconhecimento, muitas vezes a pessoa solidária nem sabe que o é – é-o porque se identifica com o sofrimento alheio. Se o solidário é o desesperado, o fraco, o esgotado, o injustiçado e o incompreendido, esconde o seu estado de alma para poupar os outros ao sofrimento – é por isso que não o vemos e não o reconhecemos quando nos cruzamos com ele. Para esses, viver é muitas vezes um ato de enorme solidariedade. Não vivem agarrados à vida, mas vivem porque seria profundamente amoral não esperarem a sua hora, ultrapassarem etapas, abreviarem o fim provocando a dor alheia. A solidariedade comove-me, mas o solidário é um ser tão especial que me move.

São tão poucos os verdadeiramente solidários!

 

Cidália Carvalho

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 07:30  Comentar

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