O nascimento de um filho é uma experiência única. Nesta, os pais são confrontados com sentimentos novos e contraditórios, tais como curiosidade, ansiedade, alegria, medo, etc.. Lidar com nascimento do filho “perfeito” não se apresenta como problema. Contudo, quando o filho nasce com deficiência ou malformação, assiste-se a uma dura prova para os pais, bem como a uma ameaça às suas crenças e expetativas sobre o bebé que fantasiavam e idealizavam. Ora, nesta fase primordial da idealização assiste-se à projeção parental durante a gestação da criança bonita e perfeita. Geram-se expetativas do futuro próximo e distante (gratificações e recompensas que vão obter), e o futuro lugar da criança na família é regulado por essas expetativas. Nesta fase inicia-se também a Pré-história da vinculação (Brazelton & Cramer, 1989), e é no processo vinculativo que se começam as organizar as qualidades relacionais fundamentais para a vida da criança.
De referir que a idealização não se estrutura apenas de coisas boas e positivas dado que se observam ansiedade, preocupações, angústias, receios, medos e fantasmas.
E quando há notícia da criança “imperfeita”? Bom, o seu impacto é violento, imprevisível (criança idealizada vs. criança real) e depende de mecanismos psicológicos e do ajustamento pessoal à forma como a notícia / diagnóstico é dada (Coutinho, 1997, in Brandão, 1999). Esse primeiro impacto parece condicionar, a longo prazo, as atitudes parentais e a capacidade de aceitação como referem os estudos de Cunningham, Morgan e McGuken (1984, in Brandão 1999).
Ele varia igualmente em função da relação familiar, ou seja: a mãe apresenta maiores níveis de stress; O pai aumenta níveis de stress e utiliza mais frequentemente estratégias de fuga e evitamento; Impacto positivo nos irmãos que desenvolvem competências sociais (Meyer e Vadasy, 1994, in Pereira, 1996); Duplo desgosto nos avós, pelo neto e pelos filhos (Fewell, 1986, in Craveirinha, 2003).
O que implica então um diagnóstico desta ordem? A aceitação de um filho com deficiência exige uma reorganização dos valores e objetivos da família (Amiralian, 1986), não sendo transitória e prolongando-se no tempo.
Verificam-se ainda alterações no casal, dado que aumentam o número de tarefas a realizar (Beckmam-bell, 1980, in Pereira, 1996), assim como potencialmente as situações de conflito. Contudo, em determinados casos, esta necessidade de partilha fortalece o casal. O conflito no casal pode advir dos cuidados diários da criança, das responsabilidades económicas acrescidas, da dificuldade nos acesso aos serviços de apoio e da fadiga e ausência de tempos livres e de lazer (Gupta & Singhal, 2004).
O que encontramos como exemplos de adaptação? Uma vida mais significativa e enriquecida; existência de sentimentos positivos e a consciência de um profundo crescimento pessoal, contribuição para a coesão familiar e a qualidade de vida dos membros da família. Saliente-se que existem variáveis a ter em conta na adaptação:
> O efeito da deficiência na família depende do tipo da mesma
> Se a evolução da deficiência é progressiva ou estacionária
> Se é uma deficiência com final trágico e irreversível
> Grau e tipo de incapacidade que produz
> O significado que cada família atribui à deficiência
> O nível sociocultural da família e de cada pessoa
> Personalidade e capacidade de adaptação de cada um
> As experiências pessoais vividas
> Desequilíbrios familiares preexistentes
> Não reconhecimento do diagnóstico ou necessidades da criança
> Famílias com escassas ou nulas redes de apoio
Ok... e agora pergunta-se: O que tem a ver a deficiência com o luto?
Os pais da criança deficiente atravessam um período de luto, associado à perda do “filho idealizado” (Correia e Serrano, 1997). Na verdade definem-se mais ou menos as mesmas fases por que passam as pessoas quando perdem algo de muito significativo (O’hara e Levy, 1984, in Correia e Serrano, 1997), mas este luto não segue uma ordem lógica de fases específicas, podendo contudo ser diferenciadas. Aqui ficam elas:
Choque – confusão e desorganização;
Negação – esta é uma estratégia de coping temporária. Alguns pais procuram outro diagnóstico que seja mais favorável. Estado de incredulidade. É o tempo necessário para desgastar o impacto inicial do sonho quebrado, para descobrir as forças internas, para confrontar a realidade e para encontrar os recursos para tratar a crise;
Raiva – Os pais procuram a causa da deficiência. Sentimentos de culpa, depressão, ansiedade, solidão, medo e hostilidade. Afastamento dos contactos sociais e das suas rotinas. Ao contrário dos outros estados do sentimento de luto, a raiva é dirigida para alguém ou algo. Quem (ou quê) é o objeto da raiva parental?;
Tristeza – Pode acontecer associada à depressão. A tristeza mais ou menos profunda pode permanecer durante bastante tempo, coexistindo com outros sentimentos;
Reorganização – Nesta fase aparece a esperança;
Adaptação – Entram na fase de aceitação da criança com deficiência. Procuram fazer algo para ir ao encontro das necessidades especiais desse elemento da família e integrá-lo definitivamente como o ser único que é.
Rui Duarte