Foto: Woman – Enrique Meseguer
Minha amiga de uma vida inteira, escrevo-te agora, minutos depois da despedida no teu abraço. Trouxe no meu coração a tristeza que partilhamos, a incredulidade pela inconstância da vida, a dor de te sentir novamente magoada. Trouxe, na alma, tudo aquilo que não te pude dizer. Há menos de uma semana, abraçava-te, efusivamente, pela alegria que de ti transbordava. Em poucos dias, porém, tudo mudou. Oh, minha amiga, que desilusão… Ver-te feliz é das imagens mais lindas e contagiantes da existência, ver o teu coração sangrar é uma das mais duras. Sabes, tudo aquilo que diminui a tua luz, põe em causa a minha fé no mundo e nos outros. Relembra-me que a vida não é justa ou imparcial, por mais que eu ame viver.
Hoje sei que não existem palavras suficientes para aliviar esse peso que carregas dentro do peito. Precisas de chorar, de estar triste, de estar apenas com quem queiras estar, de não explicar nada, de não perceber nada. Sento-me em silêncio ao teu lado porque é tudo o que precisas de ouvir de mim, neste momento. Não te vou dizer que vai passar, que já sobreviveste a tanta coisa, se calhar, muito pior que isto, que és linda de morrer, que o mundo está ceguinho e outros argumentos que, ainda que verdadeiros, te poderiam ferir agora. Hoje quero apenas que te sintas amada. Guardo tudo isto para mim, para to relembrar, com carinho e amor, quando a tua alma sorrir de novo, de coração aberto e sem chagas.
Hoje será assim, e se calhar amanhã também, e todos os dias mais de que precises; estarei contigo em todos eles, mas não te vou deixar construir lá casa. Não vou deixar que sucumbas à sombra do que te foi dado, te convenças de que isto é tudo o que mereces e te percas dentro de ti própria. Minha amiga, nesse lugar de dor, a vida é dura para toda a gente. Não permitas que, dentro de ti, viva alguém que não se identifica. Alguém que cruza o pátio, a medo, apenas para observar a lua e se lembrar que ainda existe. Alguém cuja voz nunca se ouve mas que mata todos os sonhos, um por um, sem apelo nem agravo. Sei que isto é mais facilmente dito do que feito, por isso, não te apresso na tua avalanche, não te sugiro, não te atropelo. Só tu conheces o tamanho da tua dor. Mas, amanhã, nesse amanhã que tu sentirás como o dia seguinte à tempestade, quando tudo isto já não doer em ti, não desistas daquilo que sempre quiseste, daquilo que sentes debaixo da pele, daquilo que te faz verdadeiramente feliz. Não percas a esperança da alegria, da cumplicidade, da honestidade. Não te acomodes a um guião onde vives pela metade. Não aceites menos do que dás na totalidade da tua alma.
Sei que te falham as palavras e a compreensão sobre ti própria, amiga da minha vida, mas não te sintas sozinha: na verdade, o que cada um de nós sabe de si próprio, e dos outros, não nos serena na nossa solidão. Quem grita em nós não encontra conforto nas palavras partilhadas com quem não as pode entender. Por isso andamos tão perdidos e desencontrados, num mundo concebido para o imediatismo e para a matéria. A vida parece ser exponencialmente multilingue mas, tristemente, continuamos tão iletrados no campo dos afetos. Contigo, todavia, e durante todos estes anos, nenhuma emoção permaneceu anónima ou ignorada, nenhum sentimento se desvaneceu. Como um farol no meio da tempestade, ter um amigo verdadeiro é manter viva a esperança de um porto de abrigo, de segurança, de compreensão. Não tenho poções mágicas para te dar ou garantias infalíveis de um dia melhor; tão pouco a minha vida pode atestar todas as coisas que agora te digo e em que ainda escolho acreditar. Mas sei que sempre te encontrei. Sempre. E tu a mim. Nas tempestades e nas alegrias.
Não sei quem vai caminhar contigo no futuro, quem vai encher o teu coração de amor e serenidade, quem vai encaixar em ti como uma luva, quem vai aos teus sonhos chamar “nossos” e voar contigo, sem medos nem reservas; mas só a esperança te pode colocar novamente nesse caminho. Agora, minha amiga, neste momento em que nada te faz sentido, deixa-me ser o teu farol, eu e todos os que te amamos. Deixa-me abraçar-te na dor, para que a sintas sair de ti, e mantém a cabeça à tona até voltares a sonhar e a respirar fundo. Um dia, acredita, vais sentir-te segura, amada e suficiente. E feliz, por mil razões mas, sobretudo, por teres enfrentado este momento com tanta coragem, apesar do medo e da tristeza. Nesse dia vais caminhar inteira, sem desejar nada do que ficou para trás.
Não percas a esperança, alma minha, não estás à deriva.
Alexandra Vaz