O pai despede-se da menina com um beijo. É aprumado e elegante, a gabardina e a pasta dão-lhe um ar executivo, bem posicionado na vida. É um homem com muita energia e dinamismo, este que sai de casa para o emprego. Regressará umas horas mais tarde, bastantes, na visão de criança, e voltará a dar um beijo à menina. Vem cansado, sem o aprumo nem a energia com que saiu e o beijo não é caloroso. A menina, que é muito observadora, ao vê-lo com os ombros caídos contesta por todos os dias dar um pai ao trabalho e o trabalho devolver-lhe aquilo.
E a profissão não nos rouba só a energia, como no caso retratado, rouba-nos também a identidade. Sobrepõe-se ao nome dos indivíduos que passam a ser conhecidos pelo Sr. Engenheiro, a Sr.ª Enfermeira, o eletricista, o canalizador – exemplificar é muito redutor uma vez que a identidade do individuo é engolida em todas as profissões.
Apesar deste efeito devastador, tão bem retratado pelo Quino e protagonizado pela Mafaldinha, todas as pessoas têm uma profissão, ou deveriam ter, porque ter uma profissão é estar capacitado para desempenhar um papel no desenvolvimento da sociedade. Desde pequenos que somos preparados para termos uma profissão. Observam-nos as tendências e talentos e emitem um parecer – tens jeito para isso – e ditam-nos o destino - tens que pôr em prática esse teu jeito. Auscultam-nos a vontade – o que queres ser quando fores grande?
Ter profissão é muito mais ou muito menos, como queiramos, do que fazer alguma coisa ou ter uma ocupação. Diz-se daqueles que não têm emprego, que a profissão é, “desempregado”.
Mas a profissão também nos dá coisas, por exemplo, estatuto. Pelo menos assim pensava o Sr. José. Quando tinha que preencher algum documento, no campo da profissão escrevia com orgulho, marido da Sr.ª Professora.
Cidália Carvalho