Hoje a conversa do almoço foi bastante deprimente. Gosto de comer tranquilamente, de falar de coisas triviais com os meus colegas, que me façam relaxar e quebrar o ritmo frenético de trabalho. Mas hoje fizemos uma espécie de balanço: “Olhem para nós, agora!” – dizia um – “Longe vai o tempo em que podíamos esta todos aqui sentados sem relógio nem tempo contado, sem termos que enviar um e-mail de última hora, ou de comer à pressa para atendermos alguém logo a seguir.”. “Se eu soubesse” – dizia outro – “não teria investido nos estudos, teria começado a trabalhar mais cedo, reformar-me-ia mais cedo e não teria tantas responsabilidades.”. “Pois,” – dizia um terceiro – “mesmo ao fim de semana estamos a pensar em trabalho, naquilo que ainda falta fazer, na reunião que está agendada.”. “E os filhos!?” – dizia a uma das senhoras da mesa – “Os filhos é que sofrem, sentem a nossa falta, não lhes dedicamos a atenção que eles precisam, só queremos que se despachem, que cumpram com tudo direitinho e (custa-me admitir isto) que não nos atrapalhem.”.
E eu calado, encaixando direitinho na minha realidade todos aqueles queixumes. E a invejar a vida simples e bondosa dos lavradores, dos trabalhadores mecânicos que dobram peúgas todo o dia ou de quem tem uma vida regalada sem ter que trabalhar.
Os dias de quem trabalha não deixam tempo nem espaço para relaxar. Tanto progresso e tecnologia para depois não nos podermos dar ao luxo de ter uma dor de barriga, um esquecimento, ou um qualquer percalço que ponha em risco o frágil equilíbrio da nossa agenda.
“O que nos vale é gostarmos do que fazemos.” – disse eu finalmente. “Mas, valha-me Deus,” – saltaram-me quase todos em cima – “a que preço, rapaz? Achas mesmo que isto é vida, por mais que gostes do que fazes? Daqui a uns anos que histórias vais contar aos teus netos? Só se forem aquelas que se passam nos teus sonhos, porque se contares as outras, eles adormecem ou mandam-te dar uma curva. E espero que não sonhes muito com trabalho.”.
Penso que, mais ano menos ano, isto terá que dar uma volta. Não é sustentável viver assim. A qualidade de vida mede-se muito pelo tempo de lazer, por aquilo que fazemos quando não estamos a trabalhar. É necessário repensar esta organização. E para isso é necessário repensar a nossa hierarquia de necessidades. Aquilo que realmente importa para cada um de nós é constantemente sacrificado em prol daquilo que realmente importa para outra pessoa, seja ela o nosso chefe, o nosso cliente, a nossa estabilidade financeira, ou o nosso medo de sermos dispensados. Se este mundo abrandasse o seu ritmo para metade, eu estaria na profissão certa.
Lembro-me muitas vezes dos tempos em que ia buscar o leite da semana ao produtor. Era ao sábado ao fim da tarde, em Santo Tirso, numa pequena freguesia chamada Sequeirô. O produtor, um lavrador que tinha umas quantas vacas, trabalhava muito, levantava-se todos os dias antes do sol nascer para alimentar o gado, passava o dia no campo e deitava-se depois da ordenha. No entanto, todos os sábados ao fim da tarde parecia que o tempo parava. Estávamos os dois à conversa e as horas passavam tranquilamente sem deixar cicatriz. A ordenha esperava, o sono esperava e o dia seguinte começava à exata hora do dia anterior. Mas nunca me despachou nem deixou de me servir mais um copo porque tinha que dar descanso ao corpo. Nunca ouvi dele qualquer lamento, a não ser o das costas que já não vergavam tanto. E o dos dentes que por vezes não o deixavam comer presunto. E o do reumático, da hérnia e de um genro que tinha alergia à enxada. Era um homem feliz, tranquilo, na profissão certa e no tempo certo. A haver profissões mais dignas que outras, esta é uma das minhas preferidas.
Joel Cunha