
Lembras-te de jogar à macaca, ou de jogar à bola, descalço? De trepar às árvores ou correr nos campos de milho? Colher dezenas de pampilhos amarelos e de fazer colares perfeitos com uma linha e agulha, ou apanhar grilos e metê-los numa caixa de fósforos com um pedacinho de alface e ouvi-los durante a noite? Qual é a tua primeira boa, fantástica recordação? Quando tinhas cinco ou seis anos? Conta-me! Que sentes quando te lembras desses momentos?
Vou dar-te dois minutos. Pensa lá! Que gostavas mais de fazer? Chapinhar nos regatos ou andar à chuva com o guarda-chuva fechado numa mão e na outra os livros?
As nossas lembranças têm, de facto, muito pouco que ver com a “realidade”. Se perguntarmos ao nosso amigo, companheiro nas brincadeiras desses tempos, sobre a sua versão, teremos uma outra “realidade” experienciada. Mas isso não interessa para nada! O importante é o bem-estar e o sorriso que se define quando nos lembramos do chilrear dos pássaros que observávamos nos verões quentes das férias grandes, ou víamos os girinos a nadar na gamela onde os mantínhamos depois de os apanhar no charco do campo vizinho.
Para alguns, este exercício trará algumas tristezas. Más memórias. Será que se tentares com determinação não encontrarás um momento, um cheiro, um sinal, um sabor que te faz respirar fundo e te deixa os olhos mareados? Eu gostava que assim fosse.
Se facilmente surgem na tua mente um conjunto de boas, antigas, saudosas memórias, então provavelmente sentir-te-ás, neste momento, feliz e a tua boca terá os cantos voltados para cima.
Conta-me!
O Maestro Sacode a Batuta
O maestro sacode a batuta,
A lânguida e triste a música rompe…
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal
Atirando-lhe com, uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo...
Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, um muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...
Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância...
(...)
Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”
Ana Teixeira