A infância é um tempo de brincadeira, exploração e vulnerabilidade. Época de vida que determina quase tudo o que seremos no futuro, haja vista a condição de esponja cognitiva e emocional em que nos encontramos. Vários momentos etários pressupõem diferentes níveis e tipos de desenvolvimento, excetuando-se os casos em que há ocorrência de alguma anormalidade.
Casos de sobredotação, ou de lentidão na aprendizagem, mas também genialidades não reconhecidas, tudo faz parte do pacote de ser criança.
Quase tudo é permitido na infância ou, pelo contrário, aplica-se linguagem, castigos ou modus operandi exagerados, ofensivos, desajustados, desrespeitadores da individualidade daquele ser ou demasiado piegas, infantilizando ainda mais a criança.
Tendemos a ver cada ser de acordo com o seu papel na sociedade e, quanto mais seu estatuto é valorizado culturalmente, mais ele perde o contacto com sua verdadeira essência. A singularidade de cada um é facilmente desconsiderada a despeito da sua função social.
Numa rábula protagonizada pelo humorista Ricardo Araújo Pereira, este interpelava figurativamente sobre quando é que o idoso sabe que chegou o momento de se comportar como idoso, tamanho é o fardo dos estereótipos.
O desenvolvimento biológico e psicológico deve ser respeitado e potencializado, sendo que as caraterísticas típicas de cada fase devem favorecer a conscientização e assimilação das várias maturidades adquiridas, integrando-as ao núcleo da personalidade. Mas questiono-me sobre o quanto este processo é lúcido e valorizado por todos nós. Conhecimento, inteligência e sabedoria são coisas bem diferentes.
Em jeito de sonho de consumo existencial, eu pretendo abolir as imaturidades, pieguices, infantilidades e desresponsabilizações do meu senso crítico e sentido de melhoria, mas também redescobrir e manter a alegria espontânea, a espontaneidade autêntica, a criatividade exploradora, a curiosidade despreconceituosa e o coração aberto, peculiares nas crianças. Saber envelhecer é dignificar a idade perdida.
Marta Silva