Foto: Summer - Pro File
Ontem apetecia-me gritar, gritar até não ter mais voz. Talvez porque estou farta de estar farta de tanta coisa há tanto tempo.
Se estou farta há tanto tempo, porque é que ainda não me habituei? Serei eu, afinal, uma pessoa intolerante? Terei eu levado a sério demais a teoria do conformismo que aprendi durante o ensino secundário na disciplina de Psicologia?
Sim, desde essa altura faço questão de tentar seguir as minhas ideias e não as ideias dos outros só porque sim. Penso, reflito, pondero, e escolho o caminho que pretendo seguir, mesmo que esse caminho seja o contrário do que os outros seguem.
Isto é bastante difícil… Mas deito-me todos os dias a pensar que este é o meu caminho e sei porque o escolhi.
Mas estou farta de tanta coisa… Mesmo do que escolhi… Ou do que acontece colateralmente ao que escolhi. Daí apetecer-me gritar, como que para aliviar o desagrado do que vou encontrando pelo trajeto.
Não é sempre que isto acontece. Ontem sim, mas hoje não. Hoje não, porque está um dia tão cinzento e com uma chuva tão ruidosa… Os pingos gritam mais alto do que eu gritaria. Hoje não, porque o meu pequeno rebento está a sofrer e tenho que me manter forte, desperta e concentrada para ele. Ele sofre mas apenas diz “Olá”, sem chorar nem gritar, quando tem todo o direito de o fazer. Apenas se ouve a sua respiração, apenas se sente a sua deslocação para um local calmo onde possa deitar-se e descansar.
Hoje, ao contrário de ontem, não me apetece gritar nem ouvir gritos. Só me apetece silêncio para que ele se sinta bem e melhore. Por mais escolhas que façamos, há coisas que simplesmente acontecem e temos que as aguentar sem gritar. Pelo menos hoje… Talvez amanhã, quando passar tudo outra vez, tenha aquela vontade tremenda de gritar em revolta contra a injustiça de um ser tão pequeno se sentir mal. Mas hoje não, hoje só sussurro.
Sónia Abrantes