26.11.18

People - Leroy Skalstad.jpg

Foto: People - Leroy Skalstad

 

Era um daqueles dias quentes de verão. Mais um ano que ajudava os meus avós na mercearia, penso que esperava quase o ano todo para o fazer.

Como eu gostava de aqui estar. Não só pela companhia dos meus avós, que tanto adorava, como os simples pormenores do campo que traziam o melhor à tona, coisas que não víamos na cidade. O simples cumprimentar do Sr. Manel, aquele sorriso e a importância em vir-me sempre dizer um simples “Olá”, ou a senhora Maria que me pedia sempre se podia levar-lhe as compras a casa e me dava sempre uns trocos, coisa que eu não aceitava, mas ela insistia. Não o fazia pelo dinheiro, mas sim pela doçura daquela senhora, por poder ajudá-la de alguma maneira. E ela ficava tão feliz quando o fazia. Era daquelas senhoras que os filhos pareciam ter-se esquecido dela. Era uma pena e partia-me o coração, dizia-lhe muitas vezes que, para mim, era como mais uma avó; e aquele sorriso? Nada se comparava.

 

Mas nesse verão não fora o amável Sr. Manel, nem a senhora Maria que marcaram tão intensamente aqueles momentos prazerosos que tinha na aldeia do meu avô. Fora outra coisa.

Tal como fazia sempre, o meu avô dizia-me para ver as datas dos produtos, dar uma vista de olhos à fruta e deitar fora o que não estivesse de agrado ao cliente. E assim era, todos os dias o fazia. E todos os dias colocava num saco esse “lixo”, muitas das coisas ainda estavam boas, mas não para se apresentar num supermercado. O meu avô dizia-me sempre para colocar em sacos e deixar junto à porta, nas traseiras da loja. Que uma senhora que vivia em péssimas condições ia mais tarde buscar. Era a maneira do meu avô a poder ajudar de alguma maneira. Por vezes, até colocava mais alguma coisa, mesmo estando em plenas condições. Mas apesar de contribuir para esse ato caridoso que tanto adorava no meu avô, fora algo que despertou a minha atenção. Foi naquele dia quente, em que eu tive de ir às traseiras da loja já depois de ter deixado os saquinhos como de costume, que me deparei com a senhora que prontamente me pediu desculpa e eu disse-lhe logo não ter mal, para estar à vontade. Mas o que me fez escorrer as lágrimas pelo rosto, fora o olhar do pequeno menino que vinha com ela, os olhos brilhantes, emocionados ao olhar para um dos saquinhos e dizer “Mãe!! Hoje temos brócolos, gosto tanto de brócolos mãe!”. Ele estava embriagado de felicidade, apenas por um pedaço de brócolos. E aquele brilho nos olhos, aquele olhar doce e triste apesar da felicidade do momento, fez-me sentir uma tristeza profunda. Fez-me voltar para dentro e trazer o pedaço maior de brócolos que o meu avô tinha na mercearia. Não consigo explicar em palavras a gratidão, nem do menino, nem da mãe. Mas sei que tinha ganho o dia, a semana, todo esse ano. Apenas pelo olhar daquele menino. Quando muitos deitam fora, outros ficam radiantes. Dão importância, por não terem. Por querer e desejar tanto, mas não ter posses.

E foi aí que despertou em mim o desejo de ajudar, de fazer a diferença, de poder receber mais sorrisos como aqueles – genuínos.

E foi assim...

 

Inês Ramos

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 07:30  Comentar

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