Foto: Water – Martin Winkler
O acaso é tramado. Foi ele que nos apresentou. Deu-nos a conhecer um ao outro, sem ele próprio antever no quão profundo isso se tornaria. Mas o acaso também é trapaceiro e malandro: tira em igual medida que dá e, hoje, ao acaso junta-se a distância.
Hoje, o acaso deu-nos a distância de sermos duas ilhas separadas por um oceano que nos parece imenso. Mas nem essa quantidade de mar abalou a primeira cumplicidade que se sentiu, apenas, nos nossos olhos. Sim, as palavras vieram depois. Ah, as palavras! E com as palavras a partilha, o conhecimento do ser, a descoberta do ser que quer ser só contigo. Se o acaso nos apresentou, a distância foi a responsável por nos juntar.
Descobriste-me o mundo, aquele que fui e que vou sendo; descobri-te o mundo que és e vais querendo ser. Sossegámos os gritos ensurdecedores, mas silenciosos, de ser-se quem se é e que habitam nas profundezas de algo obscuro, que guardámos nem sabemos onde. Os segredos mais íntimos, não partilhados, agora revelados e descobertos nas palavras escritas à distância.
E porque sossegaram esses gritos? Porque ousamos partilhá-los um com o outro nesse mundo onde nos libertamos do peso de ser quem somos.
Agora, o grito silencioso que ecoa é o da distância, esse que percorre todo o mar que nos separa e que acaba na onda que banha a areia dessa praia. Por enquanto, resta-nos o eco daquilo que poderia ter sido. Também pode ter-se saudade daquilo que não aconteceu, não pode?
Sandra Sousa