Foto: Mulher-estátua – Cidália Carvalho
Herdei dos meus pais, que já haviam herdado dos seus antepassados, valores, direitos e obrigações. Faltam-me conhecimentos para poder afirmar que o input deste software se processou no momento da minha conceção e que incorporava a minha bagagem no momento em que me apresentei ao mundo. O mais certo, é tratar-se de um processo contínuo de assimilação, transmitido por meio da palavra e dos exemplos dos meus progenitores, à medida que o meu hardware se vai desenvolvendo. Mas o legado dos meus parentes estende-se às semelhanças físicas. E, quanto a estas, parece não haver dúvidas que me foram passadas informações num composto orgânico que dá pelo nome de ADN, no momento em que deixei de ser verbo e passei a ser carne. Isso explica o que infinitas vezes ouço dizer, que a minha boca afinal, é a do meu pai, e os meus olhos são afinal, os da minha mãe. Já da teimosia que me caracteriza, perece ninguém querer ser o autor, mas se andar para trás na árvore genealógica encontrarei, por certo, alguém como eu.
Herdo, continuamente, hábitos, costumes e crenças do meio em que estou inserida.
A sociedade dita, não raras vezes, o que devo vestir, comer ou beber. Lugares que devo visitar, músicas que devo ouvir, livros que devo ler.
Assim, enquanto pessoa, eu sou uma escultura cinzelada por muitos e diversos artistas.
E com todas estas heranças que me esculpem e me formatam, o que há realmente de meu, só meu? Quem posso, afinal, dizer que sou? Sem jactância, arrogo-me o direito de poder pensar e, caso queira, contrariar ou enriquecer estas heranças, tornando-me, também eu, numa escultora.
Cidália Carvalho