Foto: Girls - Nikola Pešková
Entraste na minha vida pela porta da frente. Foi em setembro, ainda numa manhã de verão (ou seria já de outono?). Sentada, sozinha, na sala de aula, na última carteira da segunda fila. A primeira impressão que tive de ti não foi a melhor: uma pessoa arrogante, de nariz empinado, com a mania a achar que era mais do que os outros. “Tira o limão da boca” foi a frase célebre que melhor caracteriza essa tua caraterística expressão facial.
Provaste-me como não podia estar mais errada. Aproximámo-nos por intermédio de amigos comuns que, sem darem conta, fizeram de nós amigas para a vida. Ou, pelo menos, assim pensava eu. Naquela altura, e durante muitos anos, achámos as duas.
Viviam-se tempos confusos dentro da minha cabeça, não fosse aquela a fase da adolescência. Eu não permitia a qualquer pessoa que entrasse sem pedir licença. Tu não pediste, mas acabei por gostar dessa tua ousadia. Talvez a palavra que melhor te definia naquela altura (se é que alguém se sente minimamente definido aos dezasseis anos!). Trouxeste-me uma nova perspetiva em relação às coisas, foste uma lufada de ar fresco.
Anos se passaram, dez para ser mais precisa, onde a convivência era imensa, mas a cumplicidade ainda maior e melhor. Vivemos aventuras juntas, noites bem passadas (dias também!), momentos menos bons; dividimos quase tudo: alegrias, risos e sorrisos, cigarros, conquistas, incertezas, conselhos, ideias, desilusões… Acho que só não dividimos homens! E, quanto a isso, continuo certa de que fizemos bem!
De tudo aquilo que partilhamos, a cumplicidade era, para mim, o que tínhamos de mais bonito e precioso. Quase como se fosse um tesouro. Perceber, como que por uma espécie de conexão telepática, que algo não ia bem, ou então que algo ia muito bem; a palavra falada que não revelava tudo, mas que a outra entendia o tudo que ela não dizia; aquele olhar trocado que bastava para perceber o que a outra estava a pensar; o riso malandro, porque tínhamos pensado exatamente na mesma piada obscena…
Considero que há muitas formas de amor, e de amar. Por isso, há também o amor que anda de mãos dadas com a amizade. Não é um amor romântico, mas não deixa de ser amor. Achava que esse tipo de amor era para a vida, mais do que qualquer amor romântico. Até que me apercebi que não é! A fragilidade da nossa amizade, coisa que eu achava difícil existir, revelou-se. É possível que tenha sido esse o meu erro: achar que as relações duradouras, com raízes (pro)fundas não são tão frágeis assim. Certo é que essa fragilidade apareceu. E da forma mais estúpida possível, levando, como se fosse o vento, tudo o que havia. Como é possível? Não sei.
Agora, no lugar da cumplicidade resta apenas… estranheza! Agarro-me às boas recordações dessa cumplicidade e às saudades que dela sinto. Mas a saudade é boa na mesma medida em que é má: e tanto é doloroso o vazio que essa estranheza provoca, como é dolorosa a saudade, por ser ela a única coisa que resta desta amizade. “O pior tipo de estranho é aquele que um dia você conheceu.”.
Sandra Sousa