Foto: Humanitarian-aid - Skeeze
“- Anda daí!”.
Uma mão luminosa e transparente estende-se na minha direção. Elevo o olhar, um ser com uma luz esbranquiçada e figura humana que mais parece um holograma, faz um pequeno aceno com a cabeça, incitando a que eu lhe pegue na mão translúcida. Subitamente, de mãos dadas, sinto o meu corpo ficar suavemente mais leve, como se eu me transformasse num ser de energia translúcida como aquele que me levava.
Refeita da surpreendente transformação que vivia, contemplo do espaço a cidade iluminada, os pontinhos alinhados da iluminação das pontes sobre o rio. O nosso voo etéreo desacelera e sobrevoamos o centro do país. Longos troncos inertes elevam os seus ramos negros aos céus como preces. Sinto o cheiro intenso da morte e das cinzas. Estranhamente ecoam na minha cabeça os lamentos de dor daqueles que tudo e todos perderam.
Aquela mão abruptamente puxa-me acelerada. Agora sobrevoamos o Atlântico em direção a sul. Aquele ser transparente mostra-me agora os milhares de refugiados que mal sobrevivem nos Camarões, fugidos das atrocidades que viveram na República Centro-Africana.
Mais a sul, vejo uma adolescente a ser mutilada, privada de todos os prazeres sensoriais. Com o choque o meu corpo torna-se pesado, materializando-se.
Mas um novo impulso do ser de energia que me leva, transporta-nos a Moçambique. O meu coração despedaça-se de dor ao sentir o pavor dos albinos que são sequestrados e assassinados a troco de dinheiro para alimentar crenças e abomináveis ambições.
Novo voo à velocidade da luz. Consigo vislumbrar um bote de borracha no Mediterrâneo. Sobrelotado. Novamente ecoam na minha cabeça, o choro dos bebés, ressoam em mim os pensamentos, receios, expetativas dos que vão em busca da paz, de sobreviver na Europa.
Um calor febril invade-me. Os cabelos húmidos colam-se ao rosto e à almofada. Acordo angustiada. Sento-me na beira da cama. Mãos na cabeça, curvada sobre mim, repito monocórdica, “- Que pesadelo! Que pesadelo!”.
Delicadamente materializa-se na minha cabeça uma voz inaudível.
- Pesadelo? Não! Realidade! A tua realidade! A realidade do teu mundo! E agora, o que vais fazer? Ficar indiferente?
Tayhta Visinho