Foto: Chairs - Jody Davis
A música pode ser a de Ry Cooder, como na banda sonora de Paris, Texas.
Caminhando, fisicamente. Sem tempo, relógio, sem rumo, quase, podem ser vários, tantos rumos. Tanto faz. Olhando, como que sem ver, como que absorto. Mecanicamente, mas ao mesmo tempo, sentindo, recordando, respirando.
Percorrendo, à base da memória, mentalmente. Recordações meio perdidas, mal definidas, como que no meio dos cinzentos da neblina. Em tempo: meio perdidas será o mesmo que dizer, meio achadas, mas com uma sensação de afastamento. Recordações perenes, apesar de tudo, de vida, vitais. Reconstruídas. Talvez já vistas com os olhos de hoje, vivas.
Histórias, vivências, pessoas.
Visto com os olhos de hoje, as pessoas estavam, sentiam-se abandonadas. Isoladas, como que à beira de perdidas. Ficar, continuar ali faria com que até a esperança fosse ela embora. Abandonasse as pessoas, cada uma.
Com um mínimo de ambição, dilaceradas, rasgadas por dentro, quase que só acompanhadas pela esperança futura umas, outras pelo desespero presente, todas, quase todas, foram saindo. Para muitos lados, saindo. Desertificando.
Volto. Percorro fisicamente, olho, vejo estradas novas, autoestradas, rotundas, esculturas, casas, edifícios. Tudo vazio... pessoas, muito poucas. Muito velhas. A meio caminho entre o orgulho de manter ali a vida e as suas raízes, a raiva de não ter saído, o sentir-se inteiro na sua terra e, lamentosamente, a inveja de não ter partido.
É o interior. É a vila, a aldeia, algumas com etiqueta de cidade. Ao abandono.
Antes, a triste agricultura de subsistência, que já nem isso era, ajardinava tudo, pobremente, o que a vista alcançava. Agora, tudo pode arder, matando muitos dos poucos que restam, ao abandono, como uma pilha.
Jorge Saraiva