Foto: Man Thinking – Peter Griffin
No “Eu” de cada um de nós há sempre mais do que um “Eu”. O conceito de “Eu” não se reduz apenas a um só, uma vez que pode variar em função da realidade que o envolve, interior e exteriormente. Nessa perspetiva, podemos considerar, pelo menos, três tipos constitutivos do “Eu”, a saber: o material, o social e o espiritual. O material identifica-se com a realidade física do próprio individuo. O seu corpo, enquanto ente biológico, sempre o mesmo e sempre diferente enquanto existe, muda conforme determina a interação entre as predisposições internas, genéticas e as condições ambientais que formam o espaço em que o organismo vive. A condição de ser um organismo vivo impõe ao individuo alimentar-se, beber, repousar, reproduzir-se, enfim, o conjunto de atividades cuja finalidade é sustentar a continuidade de sua vida. Igualmente, é essa condição que obriga o “Eu” material a conservar-se, a proteger a sua integridade de condições nocivas, ambientais ou impostas por outros organismos. No “Eu” material inclui-se assim tudo que a ele é necessário, nomeadamente, as suas roupas, a sua casa, os seus bens e objetos pessoais. Quando, porém, exacerbado e excessivo, cioso da posse de bens e a eles agarrado com avidez, alimenta um sentimento de egoísmo do individuo. Daí a necessidade de refrear essa tendência, orientá-la para outros fins, se possível, altruístas, numa palavra: sublimá-la.
O segundo elemento constitutivo do “Eu”, considerado de índole social, como tal designado, tem a ver com a identificação do próprio individuo na comunidade em que está inserido e por esta aceite. A sua identidade como fator de reconhecimento na sociedade depende da aprovação, ainda que tácita, e das críticas a ele dirigidas no seio da comunidade. Se ignorado por pessoas a quem dedicava o seu maior apreço e afeição, pessoas tidas por importantes para ele, fica diminuído na sua autoestima. O mais específico do “Eu” social de alguém reside na mente da pessoa que ele ou ela ama. A ausência, ou a não correspondência de afetos, abala profundamente a identidade social do individuo. Os seus efeitos são avassaladores sobre um individuo que se vê confrontado com os sinais ambivalentes da pessoa que ama. No “Eu” social, também entram a fama, honra e desonra, como fatores que determinam e influenciam as decisões e atitudes do individuo, servindo de base, ou não, à reafirmação do seu status quo na sociedade. No “Eu” social podemos deparar com vários “eus” sociais, partes do mesmo “Eu”, consoante os grupos em que o individuo neles se integra, deles se afasta ou deles é excluído.
O terceiro elemento constitutivo do “Eu”, de caráter espiritual, deve ser visto como algo que reside no interior de cada indivíduo, que o envolve e que nele se reconhece. O “Eu” espiritual é sentido da mesma forma que sente o seu corpo, com a diferença de que é no seu espaço de intimidade interior que encontra a capacidade de refletir e a faculdade de se analisar interiormente. O “Eu” espiritual deve ser considerado como o ente interior, subjetivo, em que o individuo se reconhece, assim como reconhece as suas faculdades psíquicas. O “Eu” espiritual é sentido da mesma forma que sente o seu corpo, com a diferença de que é no seu espaço de intimidade interior que encontra a capacidade de refletir e a faculdade de se analisar interiormente. É através dessa análise que o indivíduo se conhece a si próprio como objeto pensado.
Os três aspetos constitutivos do “Eu”, aqui descritos, revelam a diversidade deste conceito, qualquer que seja a sua análise, segundo vários ângulos. Dá para pensar: quando o “Eu” pensa, nunca está sozinho, pois outro “Eu” sempre o acompanha.
José Azevedo