11.8.14

 

Confesso que torci o nariz quando me apresentaram o tema. Quando era miúdo, delinquência significava perder para os gunas o dinheiro que tinha comigo. E houve uma fase em que corria o risco de perder as Air Jordan que os meus pais, a custo, tinham dado. E era isto... Os gunas não frequentavam a minha escola, logo, a delinquência era algo estranha, passível apenas de acontecer fora de portas e, mesmo assim, quando desacompanhado da presença de um familiar. Pouco mais tarde descobri afinal que a delinquência era transversal à sociedade portuense. E não tinha apenas a ver com a falta de status social ou poder económico. Muito pelo contrário! Na referida escola (colégio), por sinal uma das mais caras no Porto à data, entrou um rapaz mais velho. Um repetente. Um skinhead consumidor e com historial de violência. Um delinquente! Nesse tempo podíamos distinguir diversas tribos sociais que, diga-se, não nutriam muito amor entre si. Skins, góticos, rockabillies, gunas, betos, punks, etc.. Curiosamente, posso afirmar que a maioria dos seus membros, pelo menos ali pela zona da Boavista – Carvalhido – Foz, pertencia a famílias de classe média, média/alta. E que delinquência praticavam então estas tribos na sua generalidade? Roubos, violência gratuita, consumo de drogas, tráfico das mesmas. Basicamente era isto... Se não queria confusões bastava não me meter numa tribo dessas, não andar sozinho pelas traseiras do Shopping Brasília, pela ribeira, ou Costa Cabral à noite, etc.. As regras eram claras. Convivia com a delinquência e convivia com alguns delinquentes, para os quais eu era como a Suíça. O tipo inócuo. Claro que não pretendo afirmar que a delinquência que havia nesses tempos era “só” esta. Claro que nos bairros problemáticos haveria outra delinquência, talvez bem pior e mais violenta. Mas essa, para mim, não existia.

Passou a existir na minha idade adulta. Por questões de trabalho e também de curiosidade / fascínio. Como viveriam outras pessoas? Que fariam no seu dia a dia? Como pagariam as suas contas? As respostas a estas perguntas vieram de forma rápida. Fui ao Tarrafal, trabalhei no Lagarteiro, conheci habitantes do Aleixo. Apenas exemplos... Alguns foram/são delinquentes, outros não. Passei a entender a delinquência como mais “dura”, mais “necessária”. O termo “gratuito” quase que desapareceu e deu lugar ao termo “vivência”. Assim... normal... A delinquência, no meu entender, orienta muitas pessoas na sua relação consigo. Com os outros. Mas atenção! Continua a não gravitar apenas na esfera dos estigmatizados! Relembro, com atenção, o caso mais ou menos atual dos gangues de Cascais. Voltando à minha realidade... Conheço pessoas que serão consideradas à luz da Lei como delinquentes. Dou-me com elas e escuto as suas histórias. Não me inibo de lhes dar conselhos e mostrar que, tal como eles me mostram, existem outros caminhos para a solução dos seus problemas. Escrevi solução, não foi? Pois... Quando quase todas estas pessoas não têm emprego, vamos deixar a frase com “outros caminhos para os seus problemas”. “Delinquência necessária” – termo algo difícil de engolir, principalmente se envolver diretamente vitimização de terceiros...

Existe contudo uma delinquência que é bem mais grave e intolerável. Essa sim, desnecessária, que mói, dói e vitimiza terceiros. É uma delinquência que não tem esse nome nos jornais. Uma delinquência em que faltam as tattos (tatuagens), os manos (amigos), os paus (euros) e os pits (pitbull). Mas em que estão lá os amigos e os euros. Em que são precisos 4,9 mil milhões de paus para tapar a vergonha de colarinho branco... Para esse tipo de delinquência que todos nós conhecemos, não tenho eu paciência nem perdão. Cidadãos portugueses, dos quais bem conhecemos os seus nomes, são os verdadeiros merdas desta sociedade. Os verdadeiros gunas. É que para além do meu dinheiro e das sapatilhas, muito facilmente me levam a casa também. E com estes, ao contrário de outros, está difícil de se conseguir conviver.

 

Rui Duarte

 

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