Foto: Sunflowers - Rudy and Peter Skitterians
- Eu podia ter-te feito tão feliz... mas tu abandonaste-me.
- Nunca te abandonei. Como poderia? – os sonhos são feitos de matéria intáctil, inconsistente, incrível. Sustentável apenas pela sua própria leveza e transparência – como se pode abandonar o que nunca sequer conseguiu iludir-nos à desilusão? O que nunca sequer tocou o horizonte da nossa capacidade de ver?
- Mas tu viste-me, tu conseguiste ver-me, nitidamente, apesar da minha forma de ilusão. Apesar da minha débil natureza onírica...
- Consegui, confesso. E de que me valeu isso? Apenas fazer-me ganhar o tempo de um arco-íris... Ou de um sorriso. Ou de um beijo... Ou de um suspiro fundo...
Em contrapartida, fizeste-me perder bocadinhos preciosos do tempo que eu precisava para os projetos. Projetos viáveis, concretos, para os quais eu tinha capacidade e me foram dadas ferramentas. Coisas que eu tinha que fazer, para sobreviver.
- Não posso acreditar que, ainda por cima, me cobras os pequenos-grandes instantes que te fiz perder... Reconhece: a maior parte desses projetos de que falas com tanta ou tão pouca convicção, apenas fizeram de ti o que és hoje: infeliz...
- Tens razão. Ou talvez não. Digamos que fizeram de mim uma pessoa bem-sucedida, segundo os moldes da sociedade em que vivo. Construí família, criei os meus filhos em segurança, singrei na vida desafogadamente, direi até, com bastante sucesso...
- ...material. E que fizeste ao teu compromisso com a felicidade? Que fizeste com a esperança de me realizar? De te realizares...?
- Ah, para de me lembrar a paixão antiga que tive por ti. Quer dizer, a certeza de que poderia levar por diante essa paixão. Isso são águas passadas! Como eu já te disse, eu nunca te abandonei – apenas, para sobreviver, te releguei para o fundo mais fundo do meu coração – lá, onde hão de morrer todos os meus sonhos, afinal...
- Ainda bem que me guardaste no teu coração... Obrigadinha... Olha se fosse no fígado, num joelho... pior!!! – na cabeça: detestaria conviver lá com os teus preciosos e inadiáveis projetos.
- Não sejas irónico... Já te disse que a vida não se faz de sonhos?
- Já. E eu emendo-te: a vida não se faz só de sonhos. Mas negar o teu sonho, a tua paixão mais funda... (não te esqueças, foste tu que disseste que me exilaste no lugar mais fundo do teu coração...) Ah, negar o teu sonho de vida inteira é negar-te a ti próprio!
- ...
- Que foi? Emudeceste, agora?
- Posso confessar-te uma coisa?
- Claro, sou o teu sonho, que melhor confessor arranjarias?
- Não brinques, estou a falar a sério.
- Está bem, diz. Sabes que podes ter confiança em mim (assim essa confiança fosse recíproca...)
- Que disseste?
- Nada, nada. Diz lá o que querias dizer.
- É tarde. O sol já desce e tenho medo...
- ...
- Não dizes nada?
- Digo. Digo que te amo e que, para mim, serás sempre a criança ingénua e crente que me colheu numa manhã de girassóis e fez de mim a sua grande paixão. Digo que acredito em ti, no teu poder de me reabilitar e fazer do meu nome a tua melhor Obra. O Teu Sonho realizado. Não é tarde, é apenas o nosso tempo. Salva-te, salvando-me do limbo dos sonhos incumpridos.
E não tenhas medo. Eu estou no comando, agora... e a vida que te resta é, verdadeiramente, a Vida Inteira.
Teresa Teixeira