Foto: Spacer - Julita
A Dona Honestidade encontrou, um certo acaso, a Menina Imaginação - Sãozinha, para os que a conheciam de berço e de afeto. Havia muito tempo que não se viam e ela tinha crescido - por isso a D. Honestidade abriu muito os olhos, entre admirada e certificadora da verdade; em reconhecimento, enfim, que o tempo, às vezes, faz gato-sapato da memória de gente... bem, digamos, antiga. De certa idade. Velhota. Mas, sim, era mesmo a menina Sãozinha, aquela jovem alta, de porte altivo (sempre a conhecera com a cabeça nas nuvens, mas não tão literalmente...), vestida com roupas audaciosamente espampanantes, cheias de folhos, cores, laços e rendinhas de todos os graus de delicadeza.
- Sãozinha!!... Como é possível? Nem te reconhecia, estás tão crescida!
- Imaginação, se faz favor. Sãozinha é um diminutivo carinhoso que, em pequena, até me ficava bem. Mas agora, D. Honestidade, julgo inadequado. Cresci, sim, conquistei o mundo, sou muito importante, bem-sucedida, tenho o mundo a meus pés – disse a jovem, de nariz bem empinado.
- Ah. Sim. E a cabeça nas nuvens. – retrucou a respeitosa senhora, rindo sem maldade, apenas franqueza. – Então, conta, como conseguiste tanto sucesso?...
- Vendo Felicidade.
- Vendes Felicidade? Mas isso é lá coisa que se venda?! Aliás, Felicidade nem sequer existe!
- Ai, que mania, D. Honestidade! “Vendo” de ver, valham-me todas as virtudes. VEJO felicidade em tudo que existe, invento mundos meus, pinto a manta, uso óculos cor-de-rosa, quando é preciso, ou azuis, ou amarelos, ou cor-de-gato-a-fugir, conforme a necessidade. Vejo e tento fazer ver aos outros.
Aí, a D. Honestidade franziu as rugas todas.
- Mas isso é fingimento, é ilusão, pode até raiar a desonestidade!
- Desonestidade, não! Uso a fantasia, sim, não nego, a meu favor e a favor dos outros. Tento poupar as pessoas da crueza da verdade, às vezes, sim. Há quem me chame mentirosa, mas, esses, acreditam que Felicidade é Verdade. Não é. Felicidade é um lugar que eu crio dentro do mundo, dentro de um Momento. É a força dentro da Coragem. É o êxtase dentro da Alegria. É a humildade dentro da Gratidão. É o cuidado, dentro da Verdade. É a fuga, dentro do Sonho... enfim, é o jardim que a D. Honestidade tem atrás de sua casa, sem saber.
- Que jardim, menina?! Olha!... Logo eu, que trabalho de sol a sol, para ganhar o pão-de-cada-dia… tenho lá tempo para plantar flores!
- Plantou sim, um belo jardim, com as sementes que traz dos caminhos que calcorreia. Só que sou eu que o cuido, que o rego, que o mondo, que o podo e vou alindando, com pedrinhas de longe, e tesouros de perto: raios de sol, orvalho, chilreios de passarinhos, crianças brincando, borboletas, abelhinhas, enfim, coisinhas simples que tenho à mão.
- Ai, Sãozi…. Quer dizer, Imaginação: eu cá tenho os pés na terra, mas olho a direito, rege-me a verticalidade, a honradez, a verdade… e orgulho-me disso. Mas… bem, não me custa nada baixar os olhos e reconhecer em ti a honestidade das coisas belas e necessárias. Sim, sei do tal jardim. E apesar de nunca me ter dado a liberdade de lhe reconhecer os encantos, não penses tu que vou por aí pisando as margaridinhas – foi dizendo a honorável senhora, entre o ataque e a rendição, acabando num fio de voz límpida e macia.
- Oh, D. Honestidade… - acudiu, de mãos estendidas, a jovem Imaginação. – Eu sei, eu sei disso. Seria contra a sua nobre natureza não abrigar em si um pouco de condescendência pela fantasia, pela beleza, pela arte. E alguma fé no poder do sonho. E um natural carinho por mim que, afinal, conhece desde pequenina. Eu cresci consigo, sabe, tão ao seu lado que nem deu pela minha falta.
E, sorrindo, acrescentou:
- Imagine se desse…. Eu teria muita pena, honestamente.
Teresa Teixeira