Foto: Love - 拾叁 簡
Não, não pode ser verdade! Exclamaram uns, pensaram outros.
O que acabávamos de ouvir só podia ser mais uma das suas brincadeiras inconsequentes. Suspensos no momento, os gestos interrompidos, todos à uma, olhámos a figura que, ainda em pé, sem qualquer emoção, no mesmo tom de voz com que chamava o empregado e lhe pedia um café, validava a decisão com um “ponto”.
Decidi, ponto!
Apregoavas a liberdade sexual. O casamento não podia ser uma autorização patética de acasalamento. Insurgias-te contra. Viver em comunhão de facto, não era um direito contratual, era uma necessidade ditada por algo verdadeiro e forte, o amor. Somente o amor poderia ser responsável por um projeto de vida a dois.
Sem saberes o quanto perto estavas dele, dizias-me que tinhas medo de não reconhecer o amor se alguma vez ele te rondasse. Tinhas razões, o amor não te rondou, envolveu-te, e tu não o reconheceste. Perfilei-me ao teu lado, para juntos enfrentarmos os colegas de escola. Troquei as brincadeiras com bonecas para jogar à bola contigo. Deixava as amigas para te acompanhar nos longos passeios pelos campos, junto ao rio, ou para te acompanhar nos grandes silêncios a que te entregavas sem explicações. Crescemos e os silêncios também, citavas Pitigrilli, a solidão é linda mas a dois, e eu lá estava para dar beleza à tua solidão. Vivias em permanente confronto com a sociedade e eu mediava essa oposição, mantinha-te ligado ao nosso grupo de amigos. Não me distribuías estes papéis, não era preciso, eu chamei a mim essa responsabilidade. E, assim foi por muito tempo, tanto, como tenho consciência de mim. Estar perto e testemunhar a tua existência, bastava-me para dar sentido à minha vida, mas, nem assim reconheceste o amor que apregoavas.
Não te conhecíamos namoradas nem paixões, por isso, e porque eu te amava, não tinhas o direito de casar.
Casaste!
Tinha aprendido a viver para ti, tinha que aprender a viver para nada.
Não te responsabilizei pelo vazio dos dias longos a que se sucediam noites intermináveis de solidão. Rodeada de nada, vivia de nada projetada para um futuro de nada. Desresponsabilizava-me de centrar a minha vida no nada porque lá, era o meu lugar, não havia mais nada para além deste nada.
Metia pena, a pena que tinha de mim.
Chegaram rumores de que o casamento não te ficava bem.
Chegaram certezas, tinha acabado.
Vi-te sem sonhos, sem esperança, sem sentido para a vida. Não pediste nada, não te queixaste mas, como antes, chamei a mim a responsabilidade de repor a vida que não havia em ti. Animada pela esperança, envolvi-te novamente de amor. Confidenciaste-me que o teu único objetivo era encontrar a felicidade, não sabias quando, nem em que circunstâncias, mas sentias que algo estava para acontecer na tua vida que te faria feliz.
Novamente não o reconheceste e eu não era a tua procura. Não me martirizo por ter acreditado e teimado a acreditar em nós, responsabilizo-me apenas pela minha infelicidade. Mas por não veres que o que procuravas podia estar mesmo ao teu lado, só tu és responsável.
Cidália Carvalho