Foto: Saint-James-Compostela - Nuno Lopes
Levantas-te para mais uma manhã sabendo que lá fora o sol ainda não brilha. Sabes que vai estar frio, muito frio. Assim como o chão que tocas, quando mal assentas os teus massacrados pés. Piso que apenas conheces do dia de ontem, assim como o beliche onde dormiste e, provavelmente, os teus companheiros de quarto dessa noite. Tornam-se rotina todos os passos seguintes de preparação. Arruma-se o saco cama, refaz-se a mochila, veste-se a preceito para o clima e, muitas vezes com custo, calçam-se as botas do dia anterior. E dos dias anteriores a esse.
Sais para um desconhecido planeado, com metas programadas, mas onde o fortuito te alcança sempre. Nunca sabes como vai verdadeiramente correr a etapa. Come-se qualquer coisa, entre as coisas que estão disponíveis no local da partida. Curioso como a fome fica diferente. Assim como as sensações de temperatura. E de dor.
Primeiro passo, e mais um passo, e mais um, e outro, e outro... Cada passo é importante, mas na verdade não são o que verdadeiramente conta. São os passos que te transportam o corpo, mas é a mente que transporta o resto. Para milhares que fazem o caminho esse resto pode ser a fé, a espiritualidade, o agradecimento, ou a homenagem. Não importa.
Cruzas bosques, mato, estradas, aldeias. Pessoas e animais. Como disse um companheiro de viagem: “subir custa, mas descer dói”. O caminho implica dor. Implica sofrimento. No corpo e/ou no pensamento. Vês-te subitamente numa dupla viagem. As tuas pernas caminham, mas por vezes a mente voa.
Os quilómetros passam, ou não passam, assim como o tempo. Parece que a natureza certa das coisas decide brincar com a tua perceção. Um passo, e mais um passo, e mais um, e outro e outro. Um dia e mais um dia, e outro e outro...
Até que chegas. Até que percebes que cumpriste. Até que percebes que resististe. E a partir daí percebes que algo te invade. Não importa o motivo que te levou ao primeiro passo. Quando chegas a Santiago de Compostela o que te invade é um mistério.
Rui Duarte