Quando tinha 33 anos a minha irmã morreu. Tinha feito 28 anos um mês antes e ocorreu-me um pensamento sobre aquela série de pessoas importantes e famosas que morreram aos 27. Na verdade, mais uma pessoa se juntava à lista — uma pessoa importante tinha morrido, mas esta mais importante do que todas e qualquer uma.
Então aos meus 33 anos a minha vida mudou de repente. A forma como passei a ver as pessoas, os amigos, o tempo, o trabalho, até o sol e os dias de chuva mudou. Os meus sentidos mudaram, até a música ficou diferente. Já não é a mesma canção! A melodia é sempre triste mesmo que seja alegre. Estes opostos esbateram-se — a alegria tem sempre tristeza, a tristeza está sempre na alegria. Há um vazio que me acompanha e que já sabe que assim será sempre, vazio, buraco escuro, oco sem nada que o encha e ilumine. É o lugar da minha irmã, pertence-lhe, não espera que ela volte, mas também não se dará a mais ninguém.
É o lugar de onde saem as lembranças, os pensamentos, o choro, o riso, as saudades, as gargalhadas e a alegria que era dela. Saem dali, espalham-se pelo corpo, ficam a circular no sangue, nas células, na respiração, na cabeça e repousam, ainda que por breves momentos.
Todos os dias penso, lembro, sinto falta, desejo, falo, rio, choro. E luto. Todos os dias luto. Às vezes de preto, outras de coração e alma. Luto para acordar de manhã e ver a luz, o sol e a chuva e sei que aquele dia vai ser assim, mas sem ela. Luto para sair da cama e me levantar e ir lá para fora, sentir o vento, o calor ou o frio, mas não a sentirei a ela. Luto para estar com os amigos, mas estarei sem ela. Luto para ouvir as nossas músicas e ver os nossos filmes e séries que agora são só meus.
Luto para chorar o que tenho de chorar e para rir sempre que me lembro do seu riso, das suas gargalhadas e da sua alegria. Luto para que a alegria dela viva em mim. Luto para que me veja feliz. O tanto que puder ser. Luto sempre. Luto todos os dias. Luto, não acaba.
Luto, luta, lutamos. As duas. Eu aqui e ela onde estiver. Para estarmos sempre uma com a outra, para estarmos sempre juntas até que a morte nos separe.
Patrícia Leitão