Foto: Woman And Mask – George Hodan
“Jean Jacques Rousseau definiu civilização como sendo o estádio em que as pessoas constroem vedações à sua volta. (…) Toda a civilização é produto de uma falta de liberdade imposta pelas vedações construídas pela sociedade.” (Murakami, Haruki: Kafka à Beira-Mar).
Eu acredito que, no campo individual de cada um de nós, também isso acontece. Aí não lhe chamaria vedações; trocava, então, por máscaras; o invólucro que reveste cada ser, aquilo que está à tua frente. No fundo, a parte mais óbvia. Também entendida, às vezes, como as defesas que cada um ergue à sua volta. A verdade é que o nome talvez pouco importe. Importa, sim, a razão, a mesma independentemente do nome que se dê àquilo que de nós mostramos aos outros. E a razão é o medo! O medo de ser-se quem se é, seja lá o que isso seja e signifique, e dar a conhecer quem se é.
À medida que crescemos, corremos o perigo de ficarmos cicatrizados e de carregar essas mesmas cicatrizes às costas. Provocadas pelos outros ou, tão simplesmente, por nós próprios. É a causa do medo. E o medo, seja de qual for e do que for, impede-nos sempre de sermos livres. O medo de não nos darmos aos outros, presos no nosso próprio casulo, na escuridão onde ninguém chega, como que se vivêssemos aprisionados na nossa prisão interior.
Quando digo dar-se a alguém, refiro-me de maneira a que o outro conheça as mais profundas janelas do nosso ser e/ou da nossa consciência. Ao invés, fechamo-nos na nossa própria concha, qual ameijoa, qual quê! Chegar ao nosso eu mais íntimo dá mais trabalho: aos outros e a nós próprios, com a chegada deles até aí (lá está o medo novamente à espreita!).
O que os outros acabam por ver é o invólucro do qual somos revestidos. Aquilo que tu vês, que está a tua frente, é fácil de gostar, é motivo de simpatia logo à partida. A parte obscura, mais sombria e triste, é mais difícil de gostar e de lá chegar. Esse receio de sermos absolutamente transparentes com o outro, o não conseguir libertamo-nos dele, dá-nos a sensação de que ficamos sempre pela metade, como se algo se fosse perdendo pelo caminho… Faz-nos sentir ocos, vazios, como que se o único som que existisse dentro de nós fosse as soadas constantes e ensurdecedores do nosso próprio medo.
“Medo é fraqueza como nuvem”: uns dias mais soalheiros, outros em que o céu carregada o peso das nuvens. É essa nuvem que pode parecer negra, que é o constante desafio que impões a ti próprio. Pode não ser algo mau, mas quando não nos faz dar o passo em frente, torna-se perturbador. E quando não conseguimos entregar-nos aos outros, também perdemos, todos os dias, um bocadinho dos outros e daquilo que nos rodeia…
“As coisas no exterior são projeções do que tens dentro de ti, e o que tens dentro de ti é uma projeção do que te rodeia. Por isso, quando entras no labirinto exterior que te cerca, estás ao mesmo tempo a penetrar no teu labirinto interior. Uma odisseia perigosa, sem sombra de dúvida.” (Murakami, Haruki: Kafka à Beira-Mar).
Sandra Sousa