Foto: Tree - Dimitris Vetsikas
Na selva do medo, pergunto a todos os sentidos que me habitam, a todas as pedrinhas que piso, a todos os ramos que estalam, à dor da minha passagem: “quantas vidas é preciso morrer para que se aprenda que a cautela é mais que instinto?” E só o vento que me atravessa ousa responder-me: “Tantas quantas mortes seja preciso viveres, para que confies nas clareiras – à luz, a verdade é memória de sangue, mesmo que eu dissipe o pó de todas as lutas, vividas e não vividas”.
Ah, as clareiras da Fé! – esse parente excelso da esperança. Não sei se no corpo que compõe a memória futura do pó que serei, ainda resta resquícios dela... pois que até ele me há de trair! Mas respeito a soberania do sangue. A verticalidade genética do caráter e o alcance transversal da experiência. A interdisciplinaridade dos saberes e a transcendência da coragem. Creio no vento.
Estudo o chão volátil da clareira à minha frente: há sinais de luta, riscos de arado, sulcos de águas rápidas, lamas de seca lenta. Sangue. Marcas que deixaram as presas arrastadas. Flores. Frutas esperando a sorte da fome, antes que o tempo lhes corroa a polpa. Sementes já sábias, ciosas e crentes no poder das chuvas. Vida. Despojos e oferendas. E o Sol passando alto, nomeando as cores, garantindo aos corpos a energia do calor, e a ambição do paraíso.
O vento abre-me passagem, eleva-se em alas de cicio leve, pousa nas copas altas das árvores expectantes. Respiro fundo - e abandono, enfim, a malha apertada da selva escura a que eu me agarrava por precaução e cegueira. Devagar, ofuscada pela luz, trémula mais por emoção que por medo, mas ainda cuidadosa, mas ainda ouvindo as vozes ancestrais de todas as minhas células perecíveis, liberto-me das sombras como réptil descartando a pele. Ou como crisálida eclodindo.
Vou. Voo. Mas a ousadia é um céu eletrificado, e eu um poço de água viva… – e caio à terra já macerada de outras quedas, de outros sonhos. Reergo-me e aprendo: a humildade é um veículo seguro e a coragem é o chão que me promete a eretilidade: já é tanto quanto baste à minha sobrevivência. E, apesar do meu corpo vulnerável a todas as coisas sob o sol, a minha sombra reconforta-me, garante-me que há norte ao largo da minha capacidade inata de sentir. Serei capaz de tudo, se respeitar os tempos, os espaços, as memórias, as razões, os ciclos, as pedras, todos os seres. E o instinto.
Confio.
Teresa Teixeira