8.4.14

 

De cobertor, paus e outros objetos para a brincadeira na mão, saltávamos pedras e riachos para chegar à árvore que tanto desejávamos. Com muito engenho e imaginação construíamos a “cabana”. Era o nosso espaço improvisado. Ali, ficávamos com os outros objetos para a brincadeira, inventávamos e encenávamos histórias, e fazíamos joguinhos improvisados. Era o nosso refúgio e o local das nossas brincadeiras. Quando o dia começava a cair, sabíamos que os nossos pais não nos perdoavam: desmontávamos a “cabana”, voltávamos a carregar o cobertor, os paus e outros objetos para a brincadeira e, saltando pedras e riachos, voltávamos a casa. Em casa eramos alvo de um questionamento que, neste momento, para mim, faz sentido. Nessa altura não percebia bem porque se preocupavam com tanta intensidade; afinal só tínhamos construído uma “cabana” e com tanta felicidade, meu Deus! Respondíamos a todas as perguntas sem que a mentira aparecesse nas palavras. Éramos felizes… crianças felizes com brincadeiras que, nessa altura, exigiam algumas competências e algum esforço. Era preciso esforço para brincar, mas esse esforço trouxe-nos, com certeza, uma forma de estar na vida diferente. Vejamos: a cabana e a televisão; a cabana e a playstation e; a cabana e o (mau) uso da Internet… o que nos parece melhor? Eu não sei! Sei que, no contexto atual, o uso da televisão, da playstation e da Internet é alvo de muita análise, reflexão e discussão. Sobre os benefícios e malefícios da construção da “cabana” nunca ouvi falar. Nunca fiquei dependente dela, nunca me aborreceu, permitia manter as minhas relações de amizade e proporcionava o desenvolvimento da minha imaginação. Não sei porque a construíamos, dado que poderíamos fazer o mesmo sem ela. Talvez o fizéssemos porque fazia frio a maioria dos dias… talvez fosse essa a razão. Demorávamos algum tempo a construí-la, por isso, deveria existir um motivo importante. Hoje questiono-me porque deixámos a construção das “cabanas”. Porque é que as cabeças das nossas crianças estão mais “comodistas”, com todas as consequências negativas que esse facto traz para a saúde mental e física das nossas crianças? Porque não lhes ensinamos a construir “cabanas”? Porque não lhes ensinamos a escolher os objetos para as brincadeiras? Estamos também “comodistas”, ou já esquecemos? Teremos muito trabalho, o que nos permite não ter tempo para esse ensino? (a falta de tempo ajuda-nos sempre a desculpabilizar para não ensinarmos a construir “cabanas”). Teremos dificuldade em voltar ao tempo das “cabanas” ou não sabemos desconstruir as atuais práticas de “brincadeira” para passarmos a outras: às “cabanas”. Bem, a nós ninguém nos ensinou… pois, é verdade! Como não tínhamos a televisão, a Internet e a playstation, a nossa cabeça tinha de fazer algum esforço para brincar. Agora, as crianças brincam? Possivelmente, sim. Não brincam como nós brincávamos, disso eu tenho a certeza! Terá isto, consequências futuras? A minha interpretação diz que sim. Eu gostava muito das “cabanas”! Era muito feliz com elas! O resultado final fazia com que pensasse que era eficaz no que fazia… a minha autoestima melhorava… afinal, era capaz de construir uma “cabana”! O frio diluía-se com a presença dos meus amigos e com as brincadeiras que inventávamos. O significado que isto tinha! Será que posso agradecer ao frio, à montanha, aos meus pais, que me deixavam construir a “cabana”, ou a mim mesma, que gostava de o fazer? Sei apenas que terei de agradecer a alguém, porque a construção da “cabana” ensinou-me tanta coisa! Ajudou a construir-me com esforço individual. A “cabana” é apenas um exemplo!

 

Ermelinda Macedo

 

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