4.9.12

 

Sou um mestre do atropelamento e fuga, da vertigem alucinante que derruba princípios e almas. Não me pesa a consciência nem um bocadinho. Finjo amar, finjo ser quem não sou, finjo tudo, até já não distinguir a verdade do malabarismo. Vivo num mundo em que se pede licença para sair da mesa mas se partilha a mulher de alguém, com esse alguém, sem qualquer pudor, a seguir ao jantar. Abraço perfeitas desconhecidas, alimento gemidos, inflamo corações, destruo planos que ajudei a conceber, viro as costas e sigo em frente, sem nunca olhar para trás. Durante muito tempo, achei que me isentava assim do amor, das suas dores, do seu cunho na memória e na alma. Qualquer vestígio de que eu pudesse ter amado, vertia-o em mil braços e pernas e deixava-o escoar-se, em cada madrugada, no regresso a casa. Ainda assim, estar longe, não resolveu nada. Nunca te consegui esquecer, sei-o agora. Dizer que deixei de amar completamente alguém que um dia amei acima de tudo é mentira, mas gostava de aprender a viver na tua ausência. Por mais longe que esteja de ti, sinto-te sempre à distância de um sopro suave na nuca. Aos que nos conheceram juntos, a quem sempre nego a intensidade dos meus sentimentos por ti, digo: “A vida continua. Plantam-se novas sementes, descobrem-se novas cores no horizonte das emoções.” No entanto, apesar da retórica bonita, da gargalhada cúmplice dos amigos e do excesso em que vivo, a solidão chega com o crepúsculo. Nenhum corpo, nenhum frémito, se eleva acima da tua lembrança em mim. Com tanta gente à minha volta, sinto-me cada vez mais só. Faltas-me tu. Falo com agressividade para que não me oiçam gritar o teu nome. Em mim, todos os nomes são o teu. Amo-os e odeio-os, tal como te amo e odeio, neste presente sem ti em que falo do amor com azedume. Apesar das piadas jocosas, a carapaça que ostento cedeu há muito. O vazio que sinto cá dentro é tão profundo que nenhum cheiro sacia a saudade da tua pele. Anseio o momento em que já não te sentirei a falta. Desejo o amanhecer que seja o primeiro de uma nova era: sem amar. Sem te amar.

Hoje sei que perdi a única mulher que alguma vez amei na vida. Deixaste-me porque te parti o coração e ainda te agradeci nunca mais me quereres ver pela frente. Gritei na tua cara, com ar presunçoso, que irias lamentar esse gesto amargamente, correr para mim com o rabinho entre as pernas e que eu jamais te perdoaria. Sei, por linhas muito travessas, que seguiste a tua vida e és feliz, não queres o meu perdão para nada. Sei também que a pior coisa que te aconteceu na vida – a minha sacanice - se veio a revelar a melhor que te podia ter acontecido. Só não me agradeces por isso, porque já nem te lembras que eu existo. Constato, com incontida tristeza, que em ti já não vivo há uma eternidade, mas que distância nenhuma será suficiente para te arrancar do meu coração. Em mim, ninguém permanece. Só tu, não há maneira de te ires embora.

 

Alexandra Vaz

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 17:05  Comentar

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