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Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega – Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras.
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.
Excerto do poema "Não Tenho Pressa" de Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Estou aqui mas não estou bem. Quero estar noutro lugar. Quero partir, sair daqui, já. Ou talvez daqui a pouco. Amanhã. Amanhã ou depois. Para a semana. Ou na outra. Ou então agora. Sim, é melhor partir já antes que me arrependa. Ou esperar um pouco para amadurecer a ideia. Não sei. Tenho que mudar. Tenho que ser forte. Mas aqui estou tão seguro. Mas nada acontece. Ai!...
Esquece, meu! Volta ao trabalho! O trabalho distrai. Trabalha e cala-te!
Hum… E se… Não! Esquece! Hum… E se me demitisse? Vá lá, meu! Juízo! Sim! E partiria por aí… O que é que te impede? Nada! Tudo! Tudo, meu! Fica quietinho, vá! Trabalha e foca-te! Hum…
Estou farto desta rotina! Todos os dias as mesmas merdas! Estou cheio! Estou mesmo cheio! Não foi para isto que me alistei nesta vida. Todos os dias tenho que olhar para a cara destes idiotas. Todos os dias tenho que fazer as coisas de todos os dias… Estou tão farto! Trabalha, caraças! Trabalha e esquece! Estás em dia não.
Ok! Trabalhemos então… Pega lá no saco das rolhas! Carrega, camelo! Sei bem onde enfiaria este saco… E depois era a demissão… É! Ia por aí… Sem rumo. Irra, que isto pesa!
E se ao menos aqui fizesse sol… Com sol tudo melhora. Mas não. Nada. Sol não falta lá em baixo. Ou aqui ao lado. Onde também há gajas. Sol e gajas. É o que há. E eu aqui… Tão longe… Onde não há nada. Só rolhas. Rolhas e esta cambada de palermas. Onde também eu estou. E sou… Que palerma, meu Deus!
Com tanto mundo por aí afora tinha que ficar encafuado aqui neste buraco. E daqui não há meios de sair. Sou tão cagarolas… O melhor é ir trabalhando.
Um dia saio. Hoje não mas um dia… Deixo tudo e vou-me. Por agora carrego. Carrego e calo-me. Afinal foi escolha minha. Estou aqui porque quero. Ninguém me obrigou. Podia ter estudado mais, talvez. Podia ter aproveitado melhor o tempo. Podia… Sei lá… Ter feito tudo diferente. Mas é isto que tenho. E não estou mal. Estou mais ou menos. Há quem esteja pior. Estou onde estou, sou o que sou.
Mas não o que quero. E por isso tenho que tratar disso. É! Mas faz as coisas bem-feitas, meu! Faz qualquer coisa mas vai com calma!
Estou onde estou, não onde quero estar… Por agora.
Joel Cunha