Dizia há dias uma colega enquanto tomávamos café:
- Que sacrifício! Estou com tanto sono que só com muito esforço a cabeça não me cai em cima do teclado. Não sei como vou aguentar até ao final do dia!
- E porque é que tens assim tanto sono?
- Não tomei o comprimido.
- O comprimido?! Observei timidamente receando que a minha ignorância ferisse a suscetibilidade da minha amiga. O artigo antes de “comprimido” define-o, torna-o único, deveria ser óbvio para mim, do que é que ela falava.
- Sim, o comprimido para dormir.
- E porque tomas comprimidos para dormir?
- Porque a minha médica os receitou.
- E desde quando é que a tua médica os receita?
- Desde que comecei a ter insónias e pesadelos, logo a seguir à morte do meu marido. Nessa altura tive muito medo que me acontecesse o mesmo, e temi pelo futuro dos meus filhos. Por outro lado, a tarefa de os educar sozinha não tem sido fácil, eles estão em idades complicadas e muito marcados pela morte do pai. Às vezes rebentam tempestades lá em casa e acalmá-los não é fácil.
- Falaste à médica sobre a morte do teu marido?
- Não foi preciso, ela sabe, por isso é que receitou os comprimidos.
- E não te encaminhou para um psicólogo, sei lá… para um psiquiatra?
- Ela não, mas quando tive aquele ataque de ansiedade aqui no emprego e me levaram ao hospital, o médico que me viu disse que eu deveria consultar um psiquiatra.
- E então?
- Achas que sim?! Achas que tenho dinheiro e que aqui o chefe me dispensava para andar nos psiquiatras? E os colegas não iriam pensar que eu estou mas é maluca? Conto a ti porque somos amigas, mas nem toda a gente vê com bons olhos as visitas ao psiquiatra.
- Então com quem confidências as tuas tristezas, os teus medos, as tuas ansiedades, a tua perda?
- E alguém quer saber dos meus problemas? As pessoas têm os seus próprios problemas e olha que algumas não têm poucos, então agora com esta crise...
- Mas voltando ao teu amigo comprimido, até quando é que a médica receitou o comprimido milagroso?
- Não disse até quando vou tomá-lo; receitou uma caixa e quando ela acaba volto lá e ela passa nova receita, eu até estou a pensar em mudar para os que me deram no hospital, achei-os mais eficazes, estes acho que já não me fazem grande coisa.
- Isto é: és médica de ti própria.
- Se assim se pode dizer.
Li, depois desta conversa, um estudo sobre a saúde mental em Portugal no qual o investigador, concluía que a prevalência dos problemas mentais em Portugal é muito superior à de outros países da Europa. No topo dos problemas estão as perturbações de ansiedade – 16,5%, seguidas das perturbações depressivas – 7,9%, perseguidas pela incapacidade de controlar os impulsos – 3,5%, e as perturbações relacionadas com o álcool – 1,6%.
À minha amiga não lhe diagnosticaram qualquer perturbação mental, assim, não está incluída nestas percentagens. E quantos mais não terão ficado de fora? É caso para dizer que Portugal está doente e não sabe quanto.
Cidália Carvalho