18.6.12

 

Quando surge a palavra virtual geralmente pensamos, de imediato, em computadores, em informática, em Internet, em mundo paralelos criados pela tecnologia, num futuro cheio de luzes a piscar e de écrans de alta definição cheios de movimento, em 3D, em 4G, em todas as parelhas possíveis de número e letra. Olhamos para o virtual com algum fascínio e com alguma retração, receando não sermos capazes de acompanhar tanta mudança e tão rápida.

Mas procuremos o que significa a palavra “virtual”. Simplificando, virtual significa o que não é real, embora possa, eventualmente, vir a sê-lo. Daqui poderemos concluir que muito do que a tecnologia nos trás, afinal, é real e não virtual. Por outro lado, muito do que está fora da tecnologia, muito do que nada tem a ver com ela, é virtual.

Alguns dos dramas do ser humano ligam-se ao virtual, mas não à tecnologia. Muito do sofrimento humano provem de a pessoa se desligar da realidade circundante, por não a perceber, por não a aceitar, por não saber/conseguir lidar com ela. E este afastamento da realidade pode mesmo atingir níveis patológicos.

Mas será um erro pensar que o afastamento da realidade, a existência num mundo virtual se passa apenas ao nível da pessoa, do individual. De facto, a sociedade, como conjunto, por razões diversas, nomeadamente culturais, económicas ou políticas, produz mundos virtuais. Proponho a reflexão sobre duas dessas produções, na sociedade portuguesa. A primeira delas tem razão financeira/política e consistiu em andarmos, durante algumas décadas, coletivamente convencidos de sermos ricos, de que tudo estava ao alcance de todos sem ser necessário trabalhar, sofrer, gerir. A segunda tem razão cultural e consiste em termos distorcido o conceito de boa educação ao ponto de termos criado um antagonismo entre esse conceito e a palavra “não”. Em termos práticos este antagonismo impede-nos de dizer “não”, para não sermos mal-educados.

Na prática:

- A menina, num corredor do shopping, propõe a marcação de uma consulta gratuita para verificar o estado dos meus dentes. Eu, apenas para não ser mal-educado, sobre tudo porque a menina está a trabalhar, marco a consulta, embora não faça a menor das intenções de lá por os dentes. E se telefonarem na véspera a pedir confirmação, eu digo logo que sim, para não parecer mal-educado, até porque esta menina também está a trabalhar. Faltar a uma consulta, depois de a confirmar, tirando a vez a outra pessoa e desperdiçando o tempo de quem, por estar a trabalhar, fica à minha espera, não é má educação – é...

- Os meus pares, num grupo a que pertenço, pedem a minha colaboração, o meu trabalho, o meu contributo para levar a cabo uma tarefa. Eu, para não ser mal-educado, até porque aquilo é gente do melhor, empenhada e esforçada, digo logo que sim. E vou confirmar o meu esforço e contributo as vezes que for necessário, sempre em grande euforia. Claro que vão acontecer oitocentas e quinze coisas “de loucos” que vão ocupar-me por completo e deixar-me cansadíssimo e vão impedir-me de fazer o que prometi, deixando toda a gente pendurada e, eventualmente, com o prejuízo de alguém. Eu até posso não voltar a lá por os pés e não ver mais aquela gente (no fundo uns chatos fundamentalistas), mas por mal-educado é que eu não passo. Má educação teria sido dizer “não” quando solicitaram o meu contributo e isso, comigo, nunca.

 

Agora e para terminar, juntemos a mania coletiva de sermos ricos e este conceito distorcido de educação que nos impede de dizer “não”. Juntemos mais ingredientes. Temos Portugal versão 2012, encravado entre o virtual e o real.

 

Fernando Couto


Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 22:05  Comentar

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