
“Estou desempregada. Não é a primeira vez que estou desempregada, mas nunca estive desempregada durante tanto tempo.
O que recebo como subsídio é muito pouco, não chega para pagar as contas do essencial, para sustentar a minha filha. Se não fossem os meus pais, não sei o que seria de nós. Mas atenção: eu não quero viver de subsídios! Quero é ter emprego, trabalhar e ganhar para viver, para vivermos. Por isso procuro emprego sem dar tréguas. Não reconheço grande valor ao facto de ter demasiado tempo para estar com a família e com os amigos e comigo mesma. Ter tempo para viver a minha vida é uma obrigação que devo cumprir todos os dias, não uma oportunidade para os tempos de menor ocupação. O trabalho desenvolve, dá dignidade, valoriza. Para mim, estar desempregada é mau!
Hoje em dia não é fácil procurar emprego, desde logo por rarearem as oportunidades, mas o pior é a forma como o desempregado é tratado quando procura emprego, quando luta pela vida, pela sobrevivência. É uma humilhação permanente, quase total. Desde o centro de emprego, onde é obrigado a ir com frequência e onde desperdiça imenso tempo em longas filas, até à atitude sobranceira, arrogante e despótica, de alguns empregadores ou dos seus agentes. O desempregado é tratado, por alguns, como se tivesse uma doença contagiosa. Curiosa é a natureza humana… Quando mais precisamos, quando a situação de todos nós é mais difícil, recebemos hostilidade dos nossos pares quando têm de nos encarar, reagindo assim, certamente, por medo de um dia estarem no lugar do mais fraco, neste caso, no lugar do desempregado. Rejeitam o outro, o que está onde eles têm medo de vir a estar.
Fico revoltada com aquelas pessoas que, nestes tempos difíceis, em cima da desgraça de tantas pessoas, vêm dizer que, se estou desempregada, a culpa é minha, por não ser pró-ativa nem inventar forma de, através do marketing e da estratégia, provar aos empregadores que o meu produto “eu trabalhador” é muito melhor que o mesmo produto de todos os meus companheiros de sala-de-espera. Peço desculpa, mas a culpa não é minha – eu esforço-me e luto e não dou tréguas, mas não consigo trabalho, só consigo ser humilhada enquanto perco dignidade! Bom emprego arranjaram essas pessoas…
Os nossos governantes recomendam que emigremos. E as pessoas alinham nessa ideia, desinvestem do país, desprezam Portugal, como se tudo fosse fácil lá fora. Eu não quero emigrar e sinto-me no direito de continuar no meu país, de querer viver aqui, de querer trabalhar e produzir para que seja uma terra digna, boa e desejada para viver. Por isso, enquanto não fecharem Portugal, terão de me aturar por aqui.”
Fernando Couto