Sentado à sua frente, numa posição descontraída e ligeiramente inclinado para ela, escuta-a e encoraja-a a falar. Ela vai ganhando confiança. Talvez seja desta...
Desde que se licenciou que a sua prioridade tem sido arranjar emprego. O seu dia começa cedo, consulta os anúncios de emprego nos jornais, navega pelas bolsas de emprego na Internet, envia o curriculum, vai a entrevistas. Começou por selecionar as ofertas dentro da sua área de formação, rapidamente se deixou de ideologias - o emprego já não é um meio para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, é muito mais do que isso, é a única forma de sobrevivência. Percebeu que tem mais hipóteses se for a todas.
Preparou esta entrevista ao pormenor. Seguiu à risca as “dicas” do guia sobre como arranjar emprego. Apresenta-se de vestido azul, para inspirar confiança e seriedade. Senta-se muito direita na ponta da cadeira. Controla o ímpeto de falar muito e depressa, termina as frases numa entoação correta.
Sim, desta vez está a correr bem. O entrevistador parece impressionado. Mostra interesse em saber mais sobre ela. O interesse dele não a intimida; vai ganhando mais confiança. Exibe o diploma da licenciatura, os certificados das pós-graduação, fala da facilidade com que se adapta à mudança, do gosto pelas novas tecnologias, da sua ambição. Sim, desta vez vai pintar.
Não deu pelo tempo passar. Olhou o relógio já sentada no pequeno café em frente ao edifício que acabara de deixar e onde entra para se refazer da frustração que a invade. Mais uma hora perdida. Tempo é coisa que não lhe falta. Não é a sensação de tempo perdido que está a destruí-la por dentro. O que lhe dói, é que não sirva para aquele emprego por ser demasiado qualificada. Já foi rejeitada por tudo e por nada, nunca a tinham rejeitado por ser demasiado boa para o lugar.
O café está vazio, ninguém para testemunhar a sua frustração. O empregado encostado ao balcão não repara nela, a notícia que passa na televisão chama-lhe a atenção, põe o som mais alto, o locutor anuncia: Na Grécia, um homem de 50 anos, desempregado, suicidou-se em frente ao parlamento...
Paga a água que bebeu e sai para a rua. Não sabe que direção tomar, a notícia que acabou de ouvir bate dentro da sua cabeça. Está desorientada...
Cidália Carvalho