Elisabete, Elis para a família, nasceu há quarenta e cinco anos numa aldeia alentejana. Filha única de um coronel do exército, foi educada com muitos cuidados e carinhos pelos pais, pelos avós e pelas tias, irmãs de seu pai, todas solteiras. O monte, com os seus muitos hectares, onde em criança começou a descobrir o mundo, chegou até à sua posse por herança, a partir dos pais de sua mãe. Mas do monte se afastou ao ir para Lisboa, para estudar, para casar, para viver o dia-a-dia, até hoje. E sempre ao monte voltou, pelas tias, pela terra, pela aldeia, por se sentir parte integrante de tudo aquilo, por querer continuar, sempre, a ser dali, vivendo o compromisso de cuidar de tudo aquilo que recebeu.
Em Lisboa as coisas não lhe correram tão bem como desejou, como sonhou. Do casamento sobra-lhe uma criatura com o título de marido, odiado, que Elis quer ver e sentir como um estranho que a maltrata, que teima em continuar ali em casa, ao pé dela, a cuidar de tudo, sempre a viver à conta dela. O ódio invade Elis. Sobra-lhe também a descendência: três filhos, os dois mais velhos fora de casa, esforçando-se para ignorar Elis, o mais novo ainda em casa, à espera da sua oportunidade para imitar os irmãos e distanciar-se. Onde errou? Os cuidados de Elis e o seu amor pelos moços, lavrado em medos, em ansiedades e em inúmeras horas sem dormir, estão agora convertidos em silêncios, em fugas, em distância e alheamento, para Elis agravados pela proximidade ao pai, pela cumplicidade com ele. O ciúme invade Elis.
Elis sofre por viver assim, sofre por viver com um homem do qual já nem tem memória de gostar, sofre por não conseguir aproximar-se dos filhos e não entender porquê. Já lhe falaram em mudar de vida, em separação, em divórcio, em procurar os filhos mas vendo-os e respeitando-os como adultos, procurando redescobri-los. Mas nada disto tem sentido para Elis. Elis precisa de sentir que tem o comando, que é respeitada, incontestada e adorada como era em criança, tratada como uma princesa, no seu principado intocável, do qual não abdica.
Tomada pelo ódio e pelo ciúme, presa num passado que não mais se repetirá, está disposta a sofrer para além dos limites. Recusa-se a mudar. Mudança é palavra que não existe no seu dicionário.
Fernando Couto